sem título
I
As paredes se movem, meu bem, eu disse a ela, ela duvida
Até tive que arrastar os móveis uns centímetros metros
não sei bem a hora que acontece, mas acontece
Acho que anteontem ontem senti um tremor…
ela duvida, duvida, paredes não se movem
era um apartamento espaçoso, amplo
e encolhe,encolhe a cada instante
o ar, ar rarefeito se condensa
as paredes se aproximam
a janela se fecha, hoje
Eu encolho os braços
as paredes encurtam
ela duvida, duvida
dobro os joelhos
o teto e o chão
quase beijam
o ar já pesa
a parede!
1 metro
sufoco
30 cm
o teto
chão
o ar
eu
a
.
II
A culpa é dos mortos
Não saíram da frente da bala
A culpa é dos mortos
Deixaram cair o avião
A culpa é dos mortos
Não abaixaram a cabeça
A culpa é dos mortos
Não deviam estar ali
A culpa é dos mortos
Ali não é lugar pra viver
A culpa é dos mortos
Deviam ter culpa no cartório
A culpa é dos mortos
Abriram a boca
A culpa é dos mortos
Furadeiras, guarda chuvas
A culpa é dos mortos
Alguma coisa fizeram
A culpa é dos mortos
E morto não fala (sorte sua)
Os vivos,
e muito vivos por sinal,
Não têm nada com isso.
Leonardo de Oliveira é poeta músico psicólogo educador social mestrando no PPGPSI da UFRGS, onde pesquisa arte e população de rua. Participa de projetos de música experimental, com os quais já lançou EPs e singles e do coletivo Projeto Ocupação Cultural, que organiza e articula eventos de arte e cultura com pessoas em vulnerabilidade social. Autor do livro de poesias O Ano do Elefante publicado em 2022, pelo selo Artera, da Editora Appris, e está lançando seu segundo livro de poesias Manifesto dos tardígrados, pela editora Caravana. Tem cartografado pequenos animais e proposto infestações baseadas em amor, delírios, lutas, dissonâncias e fricções científicas.
@leonardodeoliveira.o2