vestido
parada de pé no meio da calçada
assim, meio imóvel meio plantada
feito estátua
de mármore
e prata
diante dela a vitrine
na vitrine, o vestido
no vestido, a noiva
tules sedas bordados
e pedras preciosas
e na minha mão apenas
meio pão mordido
e o tempo
marcando presença
na pele enrugada do meu pulso
sem jóias sem colares sem brincos
de pérolas
sem luízas sem caios sem amores
nem amoras
sem stefanos sem lilas
sem ti
Elena, me diz o que eu faço
quando a noite chega e
no calor sufocante
me despedaço
sem minhas margens
sem minhas bordas
só um corpo amorfo
ardendo em fogo e febre
só no sofá
desfaleço
faleço
me desfaço
e migalhas de mim despencam
no vão entre as almofadas da tua sala
de estar
os sapatos [do lado de fora, nas caixas]
encaixotados
os capachos
sujos e malditos
chico buarque tocando
atrás da porta
e na desordem do armário
embutido meu paletó
enlaça teu vestido
o que vem depois
mesmo?
nas travessuras das noites eternas
meu olhar já não cruza com o teu
ou algo assim
e o amor o amor
feito tatuagem
que é pra criar coragem
quando a noite vem
gotas salgadas caem nos três espaços
de pele vazia que guardei
pro nome-constelação das nossas
filhas
(mas isso não ouso anunciar
em voz alta,
pois vais me achar
meio louca
ou meio tonta
ou os dois)
linhagens maternas
e a seiva da vida
(es)correndo
entre nós
até chegar
em ti,
Elena.
Luciana nasceu em 1993 em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. É formada em Relações Internacionais e Mestra em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É escritora e poeta, autora do livro de poemas Monstruário e das obras ficcionais Eu não sei falar e Das coisas que escrevi nas margens do livro que você me deu, finalista do Prêmio Minuano de Literatura. É também autora do livro infantil Pin – Um Guarda-Chuva Diferente (Editora Urutau).
@lcbrandao