Lições de geografia
Na escrivaninha da sua biblioteca, enquanto a casa sonha
As letras garrafais na capa daquele seu livro grosso
[e cheio de ângulos
Soavam ainda mais gritantes: ATLAS.
“Atlas era o nome
de um homem
que segurava o céu”, você me dizia.
Eu imaginava a força e a musculatura e a resolução
de braços capazes de segurar
o céu
e por momentos breves, mas recorrentes, desejava por eles
ser segurado.
Eu andava até ele deslizando meus pézinhos noturnos
[de grossa lã
abria seus braços e neles
ficava. Eu. O silêncio. O ATLAS.
Ninávamo-nos sempre;
de olhos escancarados
como janelas abertas
ao verão.
Uma vez abri-o na altura de um deserto localizado
[na América Latina
Seus relevos
[reprográficos
Estancavam as mesmas rugas de uma
[pele anciã
Onde o mar já foi.
Ele me falava em suas formatações
sobre uma pedra salina
de quilômetros de extensão que
emitia estalos e
se rompia, todos os dias.
1) “Na pedra, são eventualmente encontrados, até hoje
os corpos de presos opositores da ditadura chilena de Pinochet,
um dos regimes políticos mais sanguinários e cruéis
da América Latina.” — o abismo humano configura estalo.
2)“É possível avistar, atravessando o deserto,
uma profusão de cemitérios informais em suas homenagens
na forma de cruzes de madeira
espalhadas pela ampla extensão da pedra de sal” — A voz robótica e desafetada do ATLAS
discorrendo sobre o abismo humano
configura estalo.
3) “Devido à suas particularidades, como a mínima umidade,
que resulta na formação de poucas nuvens no local, o cenário
possibilita uma vista límpida e privilegiada das estrelas.
Não à toa, vários são os observatórios astronômicos lá construídos”. —
O cosmo fazendo testemunho
do o abismo humano
pelo olho mágico configura
Estalo.
Li em alguma parte de suas páginas também que revoadas
de flamingos do mundo inteiro encontram-se
nas suas esparsas lagoas
Para garantir a continuidade de suas espécies — Isto, também, configura Estalo.
Na madrugada, que em algum ponto assemelhava-se
com o vespertino
A Casa também se partia.
Liberando de suas madeiras
o calor acumulado ao longo dos dias,
dilatando fibras
de seus rebocos.
A Casa também pedra de Sal
quilométrica e desértica
a estalar suas
Mortes alvas, a
revoar suas
Vidas róseas.
Poema esvaziado e pneumático
Eu fico no portão da casa
Que não é mais de ninguém.
Eu fico com esta minha
respiração de cigarra.
O ar que entra invade.
O ar que sai extingue.
Sustento apenas alguns segundos de robustez;
minhas horas, meses, anos são todos
Flácidos e cansados
como meus pulmões:
Murchos balões
ao final da festa.
O ar que entra é laranja e crepuscular.
O ar que sai é puro frêmito.
Que dor, que dor,
tatear o mundo inteiro
a cada fluxo.
Espere um pouco, corpo,
antes de explodir
toda pólvora deste cinzeiro,
que vou acender um último fumo—
Esta aqui era a marca favorita dele.
Sobre as obras
Os poemas fazem parte de um livro em escritura no momento, que ainda não foi publicado.
Nascido no Rio e crescido no interior do estado. Reside hoje em Niterói, onde se formou em psicologia pela UFF. Conclui em 2023 uma pós em clínica psicanalítica pela UFRJ, onde aprofunda seu interesse pela linguagem e seus tropeços triunfantes. Trabalha agora na escritura de seu primeiro livro, no intervalo entre uma sessão de análise e outra, onde testemunha outras histórias sendo reescritas.
@rafa.bord