MARIA PRETA VELHA
Maria dos terreiros, das mandingas e estradas
Da velhice, virtuosas crendices alinhadas ao barro
Da singela vida nos tabuleiros, passadas curtas e apressadas
Entre quartas, quando eu carregava as suas sacolas de feira.
Preta Velha dos cajueiros e da caatinga
Maria menina, oferecia balas a Cosme e Damião
Das castanhas ensacadas, doces e trabalhosas
Sobre cantigas antigas, senhora da alegria e solidão.
Maria dos provérbios certeiros e bom tino
Das cocadas, acarajés e licores
Que eu aprendi a gostar desde menino
Sempre só, da vida provava os sabores.
Preta velha dos temperos e do mesmo lugar
Fez-se guerreira contra males cotidianos
Avisada pelos caboclos que iriam chegar
Seguiu sábia por tantos anos.
Maria, mulher, mãe, viúva de uma casa
Dos filhos que perdeu para o mundo sepulcral
Ainda sofria dor descomunal,
De seus anjos arrancaram-lhe as asas.
Preta Velha de brincadeiras e risadas
Maria de um velho vestido azul
Lenço sobre os cabelos já embranquecidos
Pés sobre sandálias de couro cru.
FIANDEIRA
Fiando cantigas e gerações
Tecendo peças de murmúrios
Anfíbio memorial que surge em paredes gélidas
Aracnídeo solto no tempo engrenado.
Escapou as extremidades da seda
Viu o homem perder seus fios de sede
Pio de ave ao canto acuado
Sentiu, suou, saiu, em si, sentou-se.
Globo negro esvaindo palidez na ponta dos dedos
Saliva a vontade e desejos
Agulhas em poros e cabelos
O corpo sereno no cansaço de algodão alumiado.
Lamparina ao fundo dos olhos matriarcas
Lunetas refletidas em emoções de máquinas
Lira das semanas em passadas enraizadas
Silêncio comungado em teto peçonhento.
DEVIR
A cidade sangra seus buracos de esgoto
E da enxurrada da chuva
Eu saio da aula com a cabeça enxaquecada e cintilante
De todos os pós-estruturalismos de luz, Deleuze.
Uma pomba cotôca de um pé manqueja
Desfilando na minha frente
Ela passa e voa para longe.
Uma menina se senta no banco defronte para o meu
E tira selfies acerca de todas as suas tatuagens e piercings
Logo ela também se vai.
As pessoas passam, se olham e continuam andando
Algumas outras continuam sentadas nos bancos públicos dessa federal.
Não sei por que, mas lembro da Tabacaria do Pessoa.
Mas de que me importa?
Eu nem fumo...
Minhas patas pesam uma tonelada
E ecoam nas escadas.
Continuo sendo um filho da terra
E o sol volta a queimar nesse fim de tarde.
Talbert Igor Santana de Oliveira é artista visual, fotógrafo, cineasta, pesquisador, compositor e poeta baiano. É mestrando no Pós-Cult/UFBA. Pesquisa e desenvolve trabalhos visuais sobre cultura popular, arte e saúde mental, memória e linguagens artísticas. Em 2023 foi premiado com o 1º lugar no Prêmio Fotografia Ciência & Arte, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com a obra Mestre Zé Verde - A Gaita Ancestre do Brejinho.
@talbert.igor