a VIDA NÃO VAI ESPERAR
Ele está lá fora. Me aguardando, como um animal selvagem espera a sua vítima. Ele quer me olhar nos olhos. Sabe que não tenho como fugir e também sabe que falta pouco para que nos encontremos de novo. Ao abrir a porta, a luta recomeçará.
Tem um furacão lá fora. Insistente, pegajoso. Ele já arrastou mulheres, minhas não sei. Amigos, que também se diziam meus. O Furacão já arrancou desejos, sonhos que agora estão acordados – e nem por isso realizados. Roubados foram por ele, o Furacão, pedaços recortados e peças gigantescas: quebra-cabeças inteiros de minha vida. Nós temos contas a acertar. Os grãos que caem da ampulheta estão quase no fim. Não há volta. A hora está chegando. O momento final. Me arrepio e entonteço quando penso nele, o Momento, mas ao mesmo tempo essa espera é o que me mata. Olho pela janela e o Sol me diz que são seis, sete horas. Falta muito pouco agora.
O Furacão continua lá. Uma das poucas certezas que tenho é que ele não vai ir embora – pelo menos, não até eu sair. O Tempo é seu aliado. Quero crer que Deus está comigo, mas não sei até que ponto posso contar com Ele. Não é blasfêmia, é que. Talvez Ele mesmo tenha mandado o Furacão, sim, é isso: Ele criou o Furacão. Tudo isso faz parte de um ritual. Deus quer ver se eu sou digno. O Furacão quer que eu prove.
Não tenho espadas. A única arma que possuo é minha mente. Alguém cochicha em meu ouvido que é só do que preciso. Olho para os lados e não vejo ninguém, apenas o Furacão me esperando além da porta. Devo manter minha arma, minha única arma, sadia. Penso em prometer cuidar melhor dela se eu sobreviver desta vez, mas estou cansado de promessas que jamais serão cumpridas. “Talvez este seja o momento para promessas que jamais serão cumpridas”, alguém cochicha de novo. Sorrio. Então, existe esperança?
Despreocupado, em frente à minha porta, o Furacão ri. Ele sabe que é o primeiro dos Cinco Desafios que terei que enfrentar até que possa descansar novamente. Lutarei sozinho, mas lutarei. E não vou ser vencido fácil, Furacão. Agora eu estou mais forte, mais forte do que jamais estive.
Nós temos uma relação. Independente de quem vença, ele sempre volta. Na mesma hora, no mesmo dia. Dessa relação depende minha existência. Ela pode até me trazer benefícios, mas não há tempo para filosofar agora. Chegou a hora. Ou ele me vence ou eu a ele. “A vida não vai esperar”, alguém cochicha pela última vez antes de eu me levantar. Já sangrei muito, mas isso não importa. Nada que tenha vindo antes de Agora importa mais, apenas e exclusivamente O Que Está Por Vir. O último grão da ampulheta acaba de cair. A janela, inerte, compactua: são seis, sete horas, o Sol avisa. Hora de sair.
Me levanto. Ao meu redor, uma última visão me é concedida. Este instante é único, mais único que todos os outros. Depois dele tudo vai ser diferente – pelo menos até a próxima vez em que eu travar semelhante luta. Isso, se sobreviver. Me ponho a caminhar. Estou pronto, Furacão. E mesmo que não esteja, estou indo ao seu encontro. Pode vir com tudo, pois eu irei também. Venha que minha alma quer briga. E que também venham os outros quatro, completando os Cinco Desafios que me foram impostos. “Deus, não me abandone”, quase imploro. Saio do meu quarto, desço as escadas, termino o corredor rumo à porta de saída. Respiro fundo e sinto o coração bater forte. Às vezes medo, às vezes frustração, sempre ansiedade. Abro a porta e me deparo com o Furacão, como há uma semana. A luta tem início.
Aqui começa mais uma Segunda-feira.
Daniel Rocha é natural de Porto Alegre, onde mora. É psicólogo clínico, especialista em psicanálise, e atende online. Cursou a Oficina de Luiz Antonio de Assis Brasil. É autor da Trilogia da Adicção, formada pelos romances Um Pouco Eterno, Doces Meninas Com Quem Passei Uma Temporada No Inferno (publicados pelo Amazon KDP) e Amor Embalado Em Arame Farpado (Editora Patuá, 2023, no prelo).
@distantestrovoes