O Raxixe
Quando trepar se torna uma lenda, um acaso, uma lembrança vaga no pensamento, a gente apela para o que aparece na frente - ou na tela do celular. Lá estava eu, na seca, e dedicada a jornada de escolher meu pinto-alvo para algo despretensioso e gostoso… Clico no app, subo umas fotos bem deliciosas minhas e reajusto minhas condições - no desespero, a gente vai de papa anjo a sugar daddy - e mantenho intacta a minha regra de sempre: se tem cara de que não vai me matar, tô dentro!
Como isso funciona? Eu vou passando as fotos e descartando os hetero tops, os de óculos escuros, os que tiram fotos no carro, os sem camisa, os militares/policiais uniformizados, os que exibem vinhos, carros, motos e qualquer outro objeto de valor. Preciso também dispensar os misteriosos, os casados, os casais, os cheios de listas de “não pode” e os que exibem apenas uma parte do corpo. Depois de rasgar o dedo para a esquerda com todas essas dispensas, sobra o meu modelo ideal: cara de bobo, afeminado/andrógeno, cabelos desgrenhados, corpo magro (quase infantil), barba mal feita, foto de cerva na mão com amigos e, claro, aluno de esquerda da federal.
Era minha primeira vez indo direto ao sexo. Eu já vivi várias fases nesses aplicativos de paquera: querer um namoro sério, flertar para saber no que vai dar, fazer amizades, ter um date para um sábado a noite etc… Querer fuder, trepar, comer de primeira assim, sem muitas ressalvas, eu não tinha qualquer experiência. Não que eu não quisesse, tá? Certos períodos ovulatórios me deixavam louca de subir nas paredes e um pau gostoso seria muito bem vindo. A conta estaria em me arriscar encontrar um desconhecido, combinar um lugar para a transa e orar para sair ilesa de todo esse processo. Resumidamente: viva, com todos os meus pertences e minha xereca feliz e animada. Seria possível?
Não tinha a menor ideia. Resolvi tentar e achei ele, o Raxixe, um nome trocadilho que brinca com a sonoridade do nome real do moço com a sua aparência de 100% chapado. Talvez isso me deu a segurança que precisava para investir nesse encontro de rápida conexão e muito tesão. Claro que não cheguei de xereca-voadora no moço. Fui naqueles esquemas básicos de saber mais sobre ele e sua vida, assunto batido e eficiente para segurar o possível pau que estava à disposição. Cheguei até a chamá-lo para um karaokê e ele fez o que o homi sabe fazer de melhor: super confirmar e se mostrar animado e, cinco minutos antes do encontro, falar que teve um imprevisto. Como bom esquerdomacho, Raxixe usou uma desculpa eficiente. Ele iria ajudar uma amiga em depressão.
Eu sei o nome da depressão geológica que ele caiu de boca nesse dia… Profunda, molhada e macia. E eu queria ser a próxima na fila! Só não sabia qual passo dar. Como sair de uma conversa solta e rotineira para um “faça o favor de me comer”? Era uma mistura de vergonha e experiências anteriores mal sucedidas - e nem eram de sexo. Apenas o fato de eu ser objetiva em alguns encontros, com diretas sobre o que eu queria fazer já fez muito marmanjo sumir do chat… Raxixe parecia disposto e com vontade, mas não engatava nenhum tom sexual nos papos, nem sugeria convites maliciosos ou indiretas safadas. O tempo passava, a fome lá de baixo só aumentava e a paciência de cima sumia.
Um dia eu passei por um situação merda na minha vida pessoal e, sei lá porque, puxei esse assunto com o Raxixe, que prontamente me acolheu com palavras de encorajamento e desejou o melhor para mim. Passamos o dia todo falando sobre o assunto e o rapaz foi muito solicito. Rapidamente respondia minhas mensagens e avisava que estava ali para o que eu precisasse. No meio de algumas lamúrias minhas, ele sugeriu uma visita na casa dele. Disse que estaria sozinho e que poderíamos conversar mais à vontade. Falei que não sabia se ia dar para passar por lá e ele comentou que tinha a semana toda livre para me receber. Fiquei grata por tamanha disponibilidade e marcamos um dia de encontro.
Ainda mexida pela situação pessoal, fiquei meio perdida sobre me preparar para ver o Raxixe. Meia hora antes do combinado, me toquei que precisava correr para chegar a tempo. Depois de um banho de cinco minutos, ao me deparar com minha gaveta de calcinhas entendi o que estava acontecendo. A “visita” para conversar seria uma trepada? E agora? Seria bem mais fácil se ele fosse direto e reto nas intenções mas, já tinha entendido que homi funciona a base de códigos idiotas. Super em dúvida se era o que era, resolvi usar uma calcinha meio termo, gostosinha e nem tão sexy, e um vestidinho bem casual e solto (curtinho o suficiente para ser apenas um vestuário de verão ou uma chamada para ver o que tinha por baixo).
Peguei o ônibus e fui até o ponto de encontro. Iríamos nos ver em uma praça e depois seguirmos para a casa dele. No percurso, fiquei ensaiando qual seria meu humor no encontro. Se estivesse com a cara abalada, acho que o pau dele ia murchar. Se mostrasse muita alegria, o bicho talvez se assustasse. Se ficasse muito tímida, ela cogitaria que eu não estava doida para dar. Que roleta russa de merda! Prestes a descer do ônibus, avistei Raxixe e esqueci completamente qual personagem eu tinha escolhido. Dei um oi normal, satisfatório e amigável. Ele foi recíproco e gestualmente já pediu um abraço, que virou uma grande cheirada no meu cangote. Depois disso, nos olhamos, e ele fez questão de fazer um raio-x do meu vestido. Do nada, falou: “Tu conhece aquela região ali?”, e apontou. Meio perdida, olhei para a direção e respondi que não. Quando voltei o rosto, ele já estava enfiando a língua na minha, sem dó, nem piedade.
Demos uma leve atracada e depois paramos um pouco para pegar um fôlego. Brinquei com ele, dizendo que não precisava fazer um teatro para me beijar, que era só pedir. O safado já gostou da proposta e pediu mais. Nova atracada e agora era ir para casa dele, porque do jeito que a coisa estava pegando fogo, ia ser na rua mesmo! Ficamos nessa de ficar se roçando e caminhando até sua residência, que defino com essa palavra por pura educação. Era apenas um espaço só, miúdo, quente e úmido, composto por quarto, mini cozinha e banheiro. Uma kitnet próxima a universidade que servia muito bem a um jovem rapaz solteiro e pegador. Com poucos móveis na casa, adivinhe qual ocupava mais espaço? A cama! E foi onde ele quis me jogar, assim que entramos no local.
Me contive com o pedido dele. Bateu um nervosismo por tanta coisa nova ao mesmo tempo. Uma boca que tinha acabado de conhecer, uma pele nada familiar, uma casa que via pela primeira vez e uma cama de muitas trepadas que estava prestes a deitar. Pedi uma respirada e fiquei observando o local, os livros, as pinturas coladas na parede. Notei um rádio ligado com músicas bem anos 80, do jeito que gosto. Comecei a dançar e tentar ficar à vontade ali. Em cinco segundos, o Raxixe me pegou de jeito, de novo, enfiando a mão por baixo do meu vestido em movimentos frenéticos que, apenas para ele, seriam prazerosos. Mas, o beijo estava gostoso. Molhado, intenso e quente. Foquei no buraco de cima e o amassa-amassa pôs lenha na minha fogueira - a dele, estava acesa e perceptível através da sua calça de pano colorida, desde o encontro no ponto de ônibus.
Ele tirou meu vestido todo e me fez ficar sentada no sofá ao lado da cama, de pernas escancaradas. Ele me lambia toda e, nos lapsos de olhadelas minhas, observava que aquela posição, além de desconfortável demais, era muito esquisita. Me imaginei como uma perececa, esticada de ponta a ponta, apenas para o marmanjo à minha frente querer dar uma chupadinha. Como foi? Bom… Lembra da mão frenética? Agora era a vez da língua frenética. Era de cima a baixo, da esquerda a direita, duas respiradas, e umas chupadas de canudinho no meu botãozinho. Eu ficava naquele conflito que toda mulher hetera já viveu. Uma mistura de prazer, agonia e incômodo. O frenesi não é ruim mas, a região é sensível demais. Ele encostava em locais gostosos, só que nesse descompasso, o prazer virava uma montanha russa desgovernada.
No embalo da performance, tirei a cara do Raxixe lá de baixo e taquei-lhe um beijo ofegante para ver se ele esquecia de “me dar prazer”. Os amassos estavam bem mais gostosos e seguimos para a tal cama. Peças de roupa tiradas e vi, rapidinho, o pau do moço. Só tive coragem de passar a mão algumas vezes, mas nada de querer imitá-lo, enfiando a boca lá embaixo - ainda bem que ele nem pediu. Chegou a vez da trepada! A parte que eu mais queria… Preferi o básico, ele por cima, eu por baixo. Depois a gente poderia tentar de ladinho, de quatro… Em pé! Esse, eu sentia falta. Os dois em pé, tudo bem encaixadinho, mãos na teta e na xereca, em um embalo meio vai e volta e sobe e desce. Delícia! O que não estava, era a situação do momento. Por isso, minha dispersão, pensando no que seria gostoso.
Deusas, quando nossa mente vai longe assim no meio do trepa-trepa é porque a magia de uma boa foda não está acontecendo. A gente ocupa a cabeça do que poderia ser e espera que acabe logo. O problema era o Raxixe? Não exatamente. Ele sabia ter um embalo macio e interessante. Era o pau dele? Estava na medida certa e parecia limpinho, agradável. A questão era a ciência da anatomia xerecuda. Se alguém, lambe, chupa, rala freneticamente o botão mágico, toda a região lá de baixo fica meio “assustada”. Ainda que molhada, tudo fica amortecido, sem sentir dor ou prazer. Quase como se estivesse “eletrocutada” pelo excesso, agora ela precisaria de tempo para baixar a bola - ou o grelo - para voltar a sentir de novo.
Só que eu não tive coragem de parar tudo e avisar ao moço a cagada que ele tinha feito. O coitado parecia empolgado (ou fingia que era uma beleza!). Finalmente, acabou o que nem precisava ter começado e eu fiz a minha parte: gemidos e suspiros dignos de um Oscar. Ele quis confirmar se eu tinha gostado e minha cara de pau estava pronta para dar as respostas certas: “delícia… foda gostosa”. Terminei a frase já me arrependendo do que eu tinha falado porque brotou uma cara de safado no Raxixe e ele começou a me beijar, querendo começar mais uma aventura lá embaixo. Desviei, levantando da cama e caminhando pela “casa”. Pelada, fazia perguntas sobre as pinturas na parede até o que tinha nas panelas em cima do fogão.
O homi ficou com mais tesão ainda me vendo nua, perambulando pelo seu cafofo, e correu para me agarrar em cima da máquina de lavar. Eu encarei suportar um tantinho de fingimento até que, enquanto ele se afogava em tesão, distraída, eu observava uma corda que ia de ponta a ponta em cima da cama do moço. Questionei o que era e ele disse sem pestanejar: “Gosto de coisas mais intensas… A corda é para a gente experimentar, sabe? Tipos 50 tons de cinza”. Para um cara que eu resolvi chamar de Raxixe pelo nível de maconha impregnada nos olhos - e depois, pessoalmente, no corpo inteiro - o rapaz era a exceção do bagulho. De relax, ele não tinha nada…
Agora tudo fazia sentido. Ele não sabia transar, sabia performar. Todo o chupão eletrizante lá embaixo, a pegação com o “salto” na cama e até seu olhar de safadeza para me pegar na máquina de lavar, tudo tinha uma cara teatral. Quanto mais eu passasse a noite naquele lugar, mais ele inventaria uma cena de filme medíocre que não entende nada de foda de verdade. Pensei tudo isso enquanto o bendito pegava uma corda e sutilmente passava pelo meu pulso, tentando me convencer de que aquilo era uma boa ideia. Não tive dúvidas e usei o último recurso possível. Fingi uma bela dor de barriga inesperada, fui ao banheiro e quando sai, agradeci pelo encontro. Sumi da casa do Raxixe - que pelado, de pau duro, se perdeu no personagem e foi dormir.
Karla Fontoura é analista de redes sociais, redatora e comunicóloga formada na UNEB, graduando em Pedagogia pela UNOPAR e escritora baiana de textos informativos e poemas, palestrante, tradutora; mãe feminista de Kabir. Colunista dós blogs Não me Kahlo, Soteroprosa, Núcleo Materna e Mães que escrevem. Pessoa não-binária (ela, ele, elu) e pansexual. Luto pelas mulheres e as crianças e busco conectar informações relevantes para mudanças de consciência e comportamento.
@karla.expansiva.dilacerante