Os olhos de Yumi
Eu me lembro do sol iluminando as paredes da sala. Eu e Yumi éramos um breve momento de silêncio. Segundos intermináveis para duas pessoas estranhas. Ela passou pela porta e eu fiquei boba tentando perceber se a voz dela combinava com o rosto. Seu rosto, finalmente, seu rosto. Meus olhos procurando respostas nos olhos de Yumi. A minha falta de jeito com as palavras me fez entender que talvez fosse melhor beber alguma coisa. Cerveja porque estava muito calor – ela concordou. Eu não estava preparada para o sol e acho que nem ela, que usava botas amarelas de cano curto e pediu licença para ficar descalça. Conversávamos todas as noites por horas a fio e de repente nada a dizer...talvez também não estivéssemos prontas para nos conhecermos.
Convidei Yumi para ir ao mercado comprar cerveja. Nenhuma cerveja ou comida na geladeira. Naquela época eu não fazia questão de comer ou beber sozinha, tanto que nem pensei nesse detalhe quando a convidei para ir em minha casa. Ela parecia não ligar para esses imprevistos. No caminho ela contou da difícil relação com a família. “São muito conservadores. Mas hoje quem não é, né? Acho que só nós somos as ovelhas coloridas mesmo! ” – Disse ela em tom de ironia. Rimos alto da nossa falta de sorte.
Ao voltar para casa sentamos para beber. Lembro que contei segredos para Yumi em poucos minutos. Algumas histórias eu nunca havia dividido com alguém. Ela me ouvia atenta e pouco falava de si. No final rimos de nós mesmas. Alguns segundos de silêncio e nossos olhos se encontraram em uma confissão. Os lábios de Yumi nos meus. Nossas mãos entrelaçadas. Meu corpo ardendo com o toque das suas mãos. Não era mais o sol que queimava nossos corpos. Era o desejo que nos consumia. Sentia Yumi me engolir inteira com a sua boca. Tínhamos pressa. “Já perdemos tempo demais. ” – Eu disse tirando a roupa.
Yumi beijou meu corpo inteiro com a voracidade de quem tem fome. Nenhuma palavra. Aquela afeição repentina dispensava palavras. Os olhos de Yumi nos meus. A língua frenética fazendo piruetas entre as minhas pernas. Senti meu corpo inteiro estremecer. Nossos corpos grudados, molhados e suados. Estava calor e não tinha ventilador. “Foda-se. Eu quero gozar muito com você! ” – Ela dizia sorrindo ofegante. Cansamos depois de algumas horas. O corpo de Yumi nu em repouso ao lado do meu. Nos olhávamos em silêncio na penumbra do quarto. Adormeci com suas mãos acariciando os meus cabelos. Sonhei com a nossa despedida. Quando acordei ela não estava mais ao meu lado. Nenhum bilhete ou mensagem no celular. Ela sempre dizia que precisava fugir das coisas que não compreendia.
Liziane de Oliveira Coelho é natural de Pelotas-RS. Graduada em Letras Português e Literatura (UFPel) e Mestra em História da Literatura com enfoque na Literatura de autoria de mulheres (FURG). É professora da rede pública em Florianópolis-SC. Publicou na antologia Pela Janela Do Quarto da editora Voz de Mulher. Seu primeiro livro A Primavera das Mulheres foi publicado em março de 2021.
@liz.ocoelho