Magnânima
Paula Rego. Anjo. 1998.
Nota da autora:
Queria que você, leitor, voltasse para a capa desse conto mais uma vez.
O nome da pintura é ‘anjo’ e foi pintada em 1998 por Paula Rego.
O anjo de Paula é uma mulher destemida com uma mão que limpa e outra que protege, mas como eu acredito que cada arte que encontramos, olhamos, lemos ou escutamos se adapta a cada um de uma maneira, quero pedir licença a Paula para meus acréscimos.
Gosto de encarar essa pintura como a arte da coragem, não como uma mulher física e literal, mas como se essa mulher fosse a coragem – O sentimento, limpando e protegendo.
Olhe bem dentro dos seus olhos, você vê alguma dúvida? Confusão? Ela está decidida. Sua roupa serve bem e ela em si, sua ossada, parece firme.
Antes de você iniciar sua leitura, gostaria que se lembrasse dessa personificação da coragem, que vive por de trás de todos os medos, apunhalando-os e sobrevive limpando as sujeiras internas de onde foi posta.
Gostaria de te informar também que isso aqui não é exatamente uma história com começo, meio e fim, como você aprendeu na escola que as histórias deveriam ser. Andreia e Tadeu são escritora e editor e isso é um compilado de e-mails de três dias.
Desejo uma boa imersão e peço que abra sua mente, seu coração, suas sensibilidades em geral para ter uma experiência única e adaptar Magnânima dentro de ti.
“Depois eu penso:
As papoilas florescem quando troveja. Não é isto suficiente?”
– Amy Lowel.
Segunda-feira, 20 de março de 2017.
2:45 P.M
Andreia,
Criticaram seu livro de poesia pela primeira vez, você viu? Depois de dois meses do lançamento, deram três estrelas. Disseram que era envolvente, mas te negaram duas míseras estrelas para ele ser considerado ótimo. De qualquer forma, você ter me dito que, na sua opinião, ele é seu melhor trabalho, é o suficiente. Acho que uma questão que vem atrapalhando seu nome no mercado editorial é aquela de que você plagiou a C.B, mas não quero te aborrecer com isso, ambos sabemos que esse assunto já foi passado e repassado tantas vezes que só a menção me faz querer cair duro. Porém, devemos ver com os olhos simplórios destes do mundo e reconhecer que isso atrapalha. Respeito, mas ainda não entendo porque você nunca se defende. Inclusive, essa semana fui ao parque, sentei-me num banco e peguei meu celular, e nossa! As pessoas na internet tendem a ser tão mais cruéis que pessoalmente, não é mesmo? Você havia me dito uma vez algo assim, na época eu passava menos tempo com o polegar numa tela, mas agora entendo. Uma página literária que eu sigo resenhou seu primeiro romance e um dos comentários dizia coisas tão pesadas que eu precisei de dois dias para absorver, melhor dizendo, filtrar o que havia lido. Enfim, eu estava lá no banco úmido me questionando quanto tempo a verdade demora para dar o ar da graça, se a rapidez importa, se é ela que vem ou somos nós que vamos. Estava preocupado sobre como podemos estar adormecidos para algo agora que vai fazer muita diferença daqui alguns meses. Também nessa onda de pensamentos percebi que passei a vida toda tentando não reproduzir os erros dos meus pais, mas será que ter a autenticidade em erros importa tanto assim? Se eu vou errar de qualquer maneira, importa como? Não desprezo meus pais, então por que a possibilidade de me tornar como eles é assustadora? Acho que temos um medo natural da repetição, mas inconscientemente vivemos nela. Sendo assim, não sei se prefiro ter consciência ou não, mas tenho certeza de que você achará patético isso que estou insinuando: uma revolução de erros.
Sinto sua falta,
Tadeu.
Terça-feira, 21 de março de 2017.
4:57 P.M
Eles esperam que eu faça algo além de mostrar minha superfície simpática e submissa. Eles querem que eu me torne, antes de todas as críticas e do desconforto a ser causado que acontecerá após eu me tornar, quem eu não sou. Quer dizer, de qualquer forma eu não me acho uma boa representação de mim mesma pois tenho tanto a dizer, mas me sinto tão genérica. O que eu realmente queria é que fossem cruamente sinceros comigo, que atirassem em mim com seus olhos, que seus frios indicadores pressionassem contra a pele do meu braço e então sacudissem meu cérebro desidratado enquanto gritam que minha poesia é muito ruim. Para que eu sentisse menos que é algo da minha cabeça. Não me magoaria mesmo. Tudo que a minha mente quer é confirmação externa.
Estou com meu almoço aqui do meu lado esquerdo, mas eu não consigo processar a informação de comê-lo, só para você ter uma noção de como minha mente está cheia de sinfonias vazias. Na verdade, eu devia sair e comprar alguma maquiagem ou roupa nova, tomar um milk-shake, fazer algo temporário e material para me sentir melhor, mas não sei se quero. Eu devia ir até a biblioteca. Todos são tão legais comigo na biblioteca, sabe? Mas a última vez que estive lá foi há quase seis meses. Inclusive, no dia tinha um artista de outro estado fazendo uma apresentação e havia pouca gente para bater palmas, mas eu não fiquei até o fim, viajaria no dia seguinte então inventei uma desculpa e saí. Me sinto um pouco mal por isso. E sendo honesta contigo, eu nem sei porque não me defendo, acho que a faca que ela me aponta não é nada em comparação a espada que eu mantenho contra mim mesma. Não tenho medo de escritores formados pela monotonia. Ela só era alguém com muito dinheiro que conheci, alguém que tinha tempo e minha confiança.
Copiou meu trabalho que já estava encaminhado porque podia, isso é o que pessoas com dinheiro fazem: elas podem. Mas, pense assim, ela não tem como causar maus entendidos e vencê-los dentro da minha cabeça e se os olhos simplórios midiáticos não leem sobre processos, não é problema nosso.
Não sei onde coloquei meu celular. Nesse momento, nesse segundo em que digito isso, sou uma mulher sem chip. Eu vivo perdendo ele pela casa, mas fico feliz de você ter visto com seus próprios olhos que eu estava certa sobre as nuances da internet.
Você ficará feliz em saber que tentei escrever hoje, eu estava tentando escrever sobre um sentimento peculiar que eu presenciei esta noite num sonho. Mas não consegui.
Tadeu, eu sou tão limitada como me vejo? Não me magoaria se você confirmasse, a suspeita é antiga. Janis Joplin começou a cantar na minha playlist agora mesmo. Ela é um sentimento, será que sabia? Será que já chegaram nela e disseram “ei, Janis sua expressão humanamente artística será infinitamente maior que qualquer corpo carnal, diferente de uma poeta que vai nascer décadas depois da sua morte”? O que quero dizer é que eu serei esquecida assim que morrer. Isso se não acontecer até um pouco antes. Dei a primeira garfada no almoço agora, e adivinha? Ele já está frio. Estou sempre muito atrasada.
Sobre pais e erros, não acho patético que você queira ter o controle sobre errar diferentemente, já que você e seus pais são três pessoas diferentes, acho justo. Só que sinceramente não acho que seja um tópico interessante a se pensar, ou talvez eu só esteja fugindo da minha carga emocional genética.
Finalizo com uma pergunta, mas não é nada melancólico, te adianto porque sei que tudo que eu te envio você lê com uma expressão de cansaço. Esse é meu lado curioso, que é muito vivo e você sabe disso. Você viu sobre a mulher da nossa região que foi assassinada pelo ex-namorado? Sim, mais uma. Não é aterrorizante isso? Uma pessoa que você ama ser capaz de tirar tudo de você após você decidir que não dá mais certo? Essa pessoa nunca te amou. É ainda pior quando você para e pensa que isso virou rotina.
Com o carinho manso de sempre,
Andreia.
Quarta-feira, 22 de março de 2017.
8:15 A.M
Bom dia,
Espero que o sentimento que o sonho dessa noite causou em você seja decifrável, estou realmente muito feliz que você tenha conseguido se libertar desse bloqueio e pelo menos tenha tentado escrever. Isso é ótimo, Andreia. Se bem que, depois da sua morte, todos os e-mails que você me envia serão vendidos por preços bem mais altos que seus livros são hoje. Sei como isso te irrita, lembro da sua revolta por Van Gogh ser forma de enriquecimento para pessoas aleatórias muitos anos depois de morrer quebrado. Mas você não vai morrer quebrada, porém não posso te garantir que não vão usar seu material, você entende o romance disso, não é? Sei que entende. Escritora melancólica, constantemente mal entendida, uau! Olha só, o material dela vende muito! Consigo ouvir os comerciais anunciando uma exposição sobre você, com trechos como esse do seu e-mail anterior “Dei a primeira garfada no almoço agora, e adivinha? Ele já está frio. Estou sempre muito atrasada” Expostos em projetores. Pensa nisto: suas ideias valem muito, até as mais bestas. Dizendo isso, deixo claro que discordo que você será esquecida logo após sua morte, acho que você é como quem você admira: artisticamente imortal. Enquanto houver alguém lendo qualquer palavra escrita por você, você viverá. Eu não me preocuparia com isso, se eu fosse você com todo esse talento. Não te acho limitada mesmo, te acho genial, mas sinto que você ainda é extremamente insegura, como vão as sessões com a terapeuta?
E sobre o assunto C.B, acho que se você tivesse, pelo menos, publicado uma carta aberta, as pessoas tenderiam te entender, mas agora já se passaram dois anos então tocar no assunto seria revivê-lo. Melhor como tá, mas me incomodo com esse rancor generalizado que sentem por ti.
Sobre a carga emocional genética, foi justamente ela que me motivou esse desejo de ser independente erraticamente. Você sabe que ser criado por narcisistas não é exatamente algo pelo qual eu pedi quando estava no útero. Tudo bem se você não quiser falar seu lado, só leia sobre o meu. Não quero ter um filho e acabar o sufocando com meu infinito amor paterno e depois culpá-lo pelo meu descontrole, não é justo com ele nem comigo. Mas, me pergunto se existe algum código para uma criação perfeita de um ser humano. Desculpe não ter dito desde o início que meus pensamentos agora são entediantes e mesmo nas questões profundas eu acabo voltando elas a algo previsível como brincar de casinha, mas realmente quero isso, Andreia. Espero que saiba que mesmo após eu me tornar um homem casado, pai de quinze filhos, ainda serei seu editor. Enquanto você me quiser, claro.
Sobre o caso criminal que você mencionou, sim, eu vi. Aparentemente ela havia avisado todos que ele estava a ameaçando, porém nas entrevistas sua ‘amiga’ disse que ela era “muito dramática” e essa frase me destruiu. Ela literalmente gritou pela própria vida, anunciando a própria morte, mas ninguém a salvou.
Ainda sentindo muitas saudades,
Tadeu.
Quarta-feira, 22 de março de 2017.
8:30 P.M
Segura aí um trecho do meu próximo livro:
“ – Sinceramente? – ela olha para os próprios pés e depois para os lados, primeiro para a esquerda e quando chega a vez da direita, ensaiadamente* solta um pequeno ar pelas narinas – Todas as vezes que você me olha, que me mede de cima a baixo, todas essas vezes eu sinto vontade de vomitar. Sinto nojo. – levanta os braços como se fosse me tocar, mas atua com retrocesso – Não apenas nojo de você, mas de mim também, por atrair o olhar de alguém como você. Atrair não é bem a expressão, acho que seria 'ficar vulnerável'. Te desprezo tanto que só o fato de você ter o poder de me olhar me irrita, mais que uma irritação, me deixa louca. Odeio que você possa me ver e me observar com seus olhos rasos e puramente previsíveis, eu quero arrancá-los e comê-los, quero que você nunca mais possa invadir meu espaço. Se eu pudesse, nossas existências jamais teriam ciência uma da outra. E eu seria bem menos infeliz sem suas mãos na minha estrada”
*não sei se “ensaiadamente” existe, mas como escritora eu posso inventar termos, né?*
E então? O que acha? Por favor, não demore para me escrever de volta com sua opinião. Essa história é sobre uma jovem desiludida com o amor, daí tenho que pensar em alguma reviravolta incrível, mas o que me motivou a escrevê-la na real foram os sentimentos que o Daniel me causou.
Tem outro trecho que acabei de escrever também (espero poder logo te enviar um manuscrito completo) que é assim: “Quando contei sobre você para minha mãe ela disse que tínhamos muito em comum. Claro que tínhamos, eu te inventei como Mary Shelley inventou Frankenstein. Você é meu abominável, mas meu. Meu trabalho abominável. Meu trabalho mais árduo. Todo esse tempo acreditando que você seria a palavra que faltava na minha poesia, todas as esquinas viradas torcendo te encontrar em qualquer outro homem que também andasse de cabeça baixa, tudo isso só para cair no realismo de que sou tão solitária que inventei meu amor”
Aguardo sua opinião, Tadeu. Acho que esses trechos podem ser melhores que todos os meus romances e meu livro de poesia inteiros e juntos. Amo o fato de que eu sempre sinta que meu trabalho mais recente é o melhor, mesmo que não publicado, mesmo que não visto por ninguém além de mim. Porque isso me dá uma perspectiva de futuro, um futuro onde serei tão inteligente como nunca fui, um auge sabe? Sensação de aprimoramento.
E obrigada, vou colocar a atividade de deletar e-mails no topo da lista de coisas para fazer em meu leito de morte. Não vão enriquecer a minhas custas. Isso era pra ser uma piada, mas acessei um canto meu que sofre com o fato de eu dar tanto de mim pela arte e receber tão pouco em troca, sinto que constantemente quero mais, mas também sinto que não mereço nem o reconhecimento que já tenho e bom, as sessões com a terapeuta vão bem. Ela me disse que como artista eu sou corajosa de enfrentar a mim mesma. Artistas costumam recusar ajuda, segundo ela. Não vou mentir, eu gosto quando reconhecem a minha coragem. E sim, sou insegura ainda, e se eu fosse você já teria desistido (como eu desisti) de esperar o dia em que vou deixar de ser.
Ah, Tadeu eu sempre soube que você casaria, teria uma esposinha, teria filhinhos, seria um maridinho e um papaizinho, mas não imaginava que você já estava pensando nisso agora. Por outro lado, você já tem o que? 67? Já é hora. E fique tranquilo, não há nenhum código de criação perfeita! O que significa que você vai poder escolher quais traumas você vai deixar em seus filhos. Olha, as possibilidades são inúmeras, a variedade é sem igual, venha já para a loja ‘pais perfeitos’ comprar suas expectativas, suas técnicas educativas e deixe para trás a compreensão, pois ela custa muito caro assim como a verdade no amor incondicional!
E eu vou te querer comigo sempre. Você é ótimo e também meu amigo mais próximo. Não vou te deixar até que você me deixe.
Era Marta, o nome da vítima. Ela era uma engenheira e deixou um filho de cinco anos. Como esse homem vai dizer “matei sua mãe” para o próprio filho? Esse mundo está me adoecendo, Tadeu. Eu nunca tive estomago para tudo isso e foi por isso que decidi vim morar no interior, mas não posso fugir de todas as inseguranças do mundo, não posso me permitir ser alienada por mim mesma.
Sentindo mais saudades ainda,
Andreia.
Quinta-feira, 23 de março de 2017.
1:27 P.M
Andreia,
Fico feliz de ver o imprestável do Daniel pelo menos rendeu alguma inspiração, porque, pessoalmente, até hoje não entendi o que você estava pensando deixando ele por um anel no seu dedo. Felizmente, desde o início sempre estive certo. Claro que meu orgulho não importa mais que seus sentimentos magoados, e devo te lembrar que ele foi causador de muitos desentendimentos entre nós. É, ele era um desses que não aguentam uma artista, daqueles homens que você diz que não são capazes de aguentar dizer “minha esposa é uma escritora” porque o choque da palavra ataca eles, não porque o que a esposa escreve é bom ou ruim. Isso nem importa para esses homens “falsamente cheios” você diz, não é? Porque eles nunca sentaram e leram um trabalho da pobre esposa. Mas como os falsamente cheios são normalmente as pessoas mais minimamente interessadas por artes em seus ciclos sociais, ter uma parceira que faz parte do grupo daqueles que criam a arte é demais para eles.
Sobre os trechos que me enviastes, só tenho a dizer que eu amo sua sensibilidade feroz e a amo especialmente quando diz que quer comer os olhos dele. Acho que isso transmite um desconforto odiável e tão insuportável que muitas vítimas de abusadores irão compartilhar contigo. Estou ansioso por um material minimamente completo.
Eu acho que compreendo quando você diz que dá tanto de si e recebe pouco, porque como seu fã número um afirmo que o mundo todo deveria te ler. E vendo esse seu humor confuso sou obrigado a concordar com Christian Bobin quando ele escreveu: “trinta frases de um livro e têm sobre o autor uma visão mais segura do que a que ele jamais poderá ter de si próprio”
Por favor, não use o diminutivo ao se referir aos meus sonhos, sei que para você é uma piada, mas não para mim. Eu gosto desse sistema, não acho que seja ruim. Aliás, você nunca pensou nisso? Ter filhos. Criar um ou mais seres humanos de verdade?
Eu não pretendo te deixar, (mas quando você não puder mais me pagar nunca mais saberá de mim). Somos além do profissional, Andreia.
Acredito que seja razoável sua decisão de ir morar no interior, eu faria o mesmo se tivesse criatividade o suficiente para me entreter sozinho como tu fazes. Também acho insana a forma que o mundo tem girado, as vezes nem sinto que é real parece uma peça de teatro sanguinária, e vendo tudo de perto na cidade tenho medo de acabar me acostumando e me tornar um insensível.
Tadeu.
Quinta-feira, 23 de março de 2017.
7:26 P.M
Tadeu, me desculpe não quis fazer soar idiota o sistema de formar uma família, se é importante para você, também é para mim. Seus sonhos fazem você ser quem eu amo tanto.
Estive pensando em outro sistema agora mesmo, estou comendo pipoca. Todos esses milhos foram colocados em uma prova de fogo, o.k não é bem uma prova porque não havia escapatória ou como vencê-la. Foram pressionados até explodirem, chegarem ao limite e serem iguais. Não soa familiar? É tosco na raiz, é um pensamento nascente de uma coisa cotidiana, mas pense nisto. Apesar de que eles já eram iguais antes de virarem pipoca, então talvez não se aplique ao sistema inicial que eu me referia, mas com certeza se aplica a outro. Não tem como vender uma ideia assim, mas é isso que a torna tão valiosa para mim: tão tosca que o mundo não tem interesse ou disponibilidade de pensar na profundidade.
Minha cabeça dói, mas precisei te escrever por dois motivos, o primeiro é que hoje, 10 meses após nosso término, Daniel me mandou uma mensagem dizendo quer me ver. Não é algo do qual estou com puramente medo, só estou surpresa e também você sabe que ele costumava ser verbalmente violento, acho que juntando tudo isso com o caso da Marta na minha mente, me causa sim, um certo terror.
O segundo motivo para te escrever é para dizer que eu acho que finalizei a história ou pelo menos a ideia. A moça desiludida segue sua vida de desilusão até certo ponto que é quando encontra alguém que a ama de verdade (eu sei que isso é extremamente previsível, mas ele só a ama porque ela finge ser quem não é) E sim, isso é muito infeliz, mas foi assim que minha mãe encontrou a felicidade superficial dela.
Acho que estou desgastada, Tadeu. Quero me prender no ciclo de repetição que você citou, é tão mais simples. E não, respondendo a sua pergunta: eu nunca desejei ser mãe, não sou maternal e isso de ser mãe não funciona com artistas que precisam de ajuda psicológica. Nina Simone é um exemplo. Prefiro não arriscar.
Ainda sobre a história, é patético que eu tenha escrito tantos diálogos dos quais gostei...quer dizer, vou anexá-la para você ler no fim do e-mail. É um manuscrito cru obviamente, mas olha esse trecho: “você rouba cada pedaço de mim até eu sentir que a mentira está comigo, até eu despersonalizar tudo que sou para você se sentir bem com meus traços misturados aos teus, como se estivessem sempre aí, como se fossem raízes. Como se eu não possuísse nenhum. Nada além de um buraco que você ama com toda sua intensidade roubada, e que sorte a minha por você amá-lo. Eu nunca pedi por sua compreensão chantagista, nunca procurei por seu entendimento barato, nunca precisei do seu esquema de pirâmide emocional.”
Como eu ia dizendo, é patético que eu tenha escrito tantos diálogos dos quais eu gostei, tenha acertado em cheio como iniciar, mas não sei como finalizar. Nunca sei como terminar.
oscovardes.docx
Andreia.
Vitória Gabriela (2002) é autora de Por osmose (ed. Fomento literário, 2022), cronista colunista na Escritor brasileiro, possui material disponibilizado on-line em diversas revistas e cias assim como independentemente. É facilmente encontrada escrevendo em traços @vivoserispidos (instagram) de pintura.
@vitoriawho @vivoserispidos