Lágrima e força
Joana é uma mulher forte. Aprendeu, desde cedo, que chorar e se lamentar da vida é coisa de gente fraca. Quando a mãe morreu precisou ajudar o pai a continuar vivendo. Assumiu o papel de dona da casa aos quatorze anos de idade. Cozinhava, lavava roupa e, com pulso firme, tentava manter a ordem. Agora, diante do acontecimento que mudará seu destino para sempre, um filme passa na cabeça dela.
O pai trabalhava dia e noite. De segunda à sexta era pedreiro e, aos sábados e domingos, fazia bicos como garçom em eventos da cidade. Apesar de garantir o sustento da filha, o homem era ausente. Bebia para esquecer a morte da esposa. Muitas vezes chegava em casa agressivo e alterado. Joana cuidava para que os vizinhos não vissem e nem ouvissem nada. Nem sempre era possível. A menina sentia-se cansada e impotente, mas não chorava. A mãe, no leito de morte, pediu a ela que não desistisse da vida.
O tempo passou e a dependência química do pai tornou a convivência impossível. A menina de dezoito anos precisou tomar uma decisão muito difícil: interná-lo em uma clínica de reabilitação. Após três meses de tratamento e algumas visitas (momentos em que o homem conversou com a filha de maneira sóbria e carinhosa) veio a triste notícia... Ele não resistiu a um ataque cardíaco e, finalmente, juntou-se à esposa.
Aos vinte anos Joana conheceu Alberto. Os dois trabalhavam juntos em uma fábrica de calçados. Os olhares trocados, o lanche compartilhado no refeitório da empresa e os abraços de despedida no fim de cada dia a faziam esquecer a vida solitária que levava. A jovem encontrou nos braços dele uma espécie de abrigo. Sentia-se amada e protegida. Como era bom!
O namoro evoluiu e decidiram viver juntos. Fizeram uma cerimônia simples, na qual reuniram poucos familiares e amigos. Joana ainda estava se acostumando a ser feliz. Pouco tempo depois, encheu o coração do marido de alegria ao anunciar que esperava um filho. A notícia foi comemorada. A gravidez transcorreu tranquila e feliz. Sua mãe tinha razão quando pediu-lhe para não desistir.
É chegada a hora. Joana está na sala de parto. As contrações estão cada vez mais doloridas. Concentra-se e faz força. O médico a incentiva e diz que está indo muito bem. Em instantes sua vida mudará para sempre. A mulher inspira, expira e, com toda a coragem do mundo, dá a luz. Pega o filho no colo. Sente o coração pulsar fora do peito. E, pela primeira vez em muitos anos, sua força se transforma em lágrimas.
Marina de Freitas. Professora de língua portuguesa e língua inglesa, faço da escrita um reencontro comigo mesma. Sou militante da liberdade de expressão, da arte e da literatura. Entendo que os livros são ferramentas fundamentais para fazer do mundo um lugar melhor, igualitário e justo. Quero sempre, em meus contos, ser a voz daquelas e daqueles que não podem falar.
@mimacastrof