O dia em que eu morri, eu não sofri.
Foi um dia como outro qualquer.
Abri os olhos e senti a melancolia do cotidiano.
Peguei o celular na cabeceira.
5h54.
Hora de levantar.
O calor da coberta sendo cortado pelo frio que se entranhava pela sola dos pés e atravessava todo o corpo.
Era o segundo despertar.
Olhos ainda meio embaçados.
A cabeça, oca.
Peito encolhido.
Respiro bem fundo…
Banho e café.
Poucas palavras e tv.
Não era falante pela manhã.
Era mais ouvinte.
Por mais que não gostasse também.
Queria o silêncio das palavras.
Apenas o som de notas me ajudava a começar bem o dia.
Escovar, guardar, conferir, partir.
Trem lotado.
Barulho.
As palavras correm ao meu redor.
Celular e fone.
Põe, escolhe, escuta, vê.
Imersão.
As vozes abafam, viram murmúrios.
Só escuto o que vejo.
Uma pessoa dentro da tela fala sobre algo que eu conheço.
O tempo passa e eu não percebo.
Algo acontece e eu não percebo.
Chego.
Homem ao chão.
Pensamentos vêm à mente.
Desespero.
Morte?
Não.
Aflição.
O descaso não presta atendimento.
Outro homem ao telefone.
"Vamos descer com ele e pedir ajuda".
Menina aflita.
"Gabriel, Gabriel" - eu chamo.
Homem ao chão.
Olhos pesando…
As portas abrem.
Menina corre.
Ajuda vem.
E o fluxo continua…
Aflição e desespero também.
Nó na garganta.
Olhos aguando.
"Deveria parar?
Deveria voltar?
O que aconteceu?"
Coração pesa.
E o fluxo continua.
19h.
Chave de casa. Portão.
Banho tomado. Comida no prato.
Poucas palavras.
Prefiro o silêncio delas.
O barulho do fone: uma comédia.
Na cama, deitada, percebo que mais um dia terminou. E outro já vai começar.
Respira.
f
u
n
d
o.
5h54.
Hora de levantar…
Olhos pesados, teto calado.
Sabe,
a realidade é que eu morro um pouco todos os dias.
E isso me faz continuar.
Karine Lima, periférica e carioca, encontrou na arte a ponte para se comunicar com o mundo, através de suas produções audiovisuais e também pela escrita. Desde pequena, as palavras são suas amigas - às vezes, não tão amigas assim -, a acompanhando por suas leituras diárias e criações de histórias. Escrever a liberta de sentimentos que ora a consomem, ora a preenchem, mas sempre a extrapolam.
@_karineli