Quando você for embora é bom que vá pra sempre
Uma porta que se fecha delicadamente a frente, não se deu o trabalho de batê-la, que me batesse: seria mais fácil. Costas que se afastam resolutas sustentando uma cabeça que só pensa em se desamarrar de mim e eu sei, ele precisa traçar a linha na areia: costas que dizem não me siga. Enquanto falava eu percebi que ele planejava a conversa seguindo um mapa no chão, sabia o número de passos até encostar na maçaneta e sabia onde se posicionar pra indicar que não iria ficar, nunca mais ficaria, como quem quer muito ir embora de uma festa e evita por linguagem corporal um anfitrião que por cortesia insiste que fique. Se desamarrou de mim muito tempo atrás, foi de caso pensado, tão pensado que eu, a anfitriã, não insisti que ficasse; eu sabia que mais dia ou menos dia ia acontecer. Quando falou que ia prestar a bolsa, um continente e meio de distância, eu entendi perfeitamente, no começo ele deu a ideia da gente casar, assim eu te coloco como dependente, a gente divide o valor, a gente pode trabalhar; depois parou de sugerir, percebeu que era bobagem, que ele queria mesmo uma outra vida, ser outra pessoa, alguém de quem eu não poderia gostar. Algumas semanas antes vi um post-it na parede do quarto dele que lia “不自由”. Uma das anotações pra prova de proficiência, pensei, e apontei a câmera do tradutor pra imagem. 不: -non, prefixo negativo + 自由: liberdade = 不自由: desconforto. Nessas horas a gente entende a religião, o ascetismo, o celibato. Quando se tem ciência da própria liberdade inevitavelmente se acha novos meios de justificá-la e amplificá-la: ele achou até em outra língua.
Laura Lopes, 26 anos, reside e trabalha em Ribeirão Preto – SP.
Eu não calculo nunca, mas quando faço uma besteira eu vou até o fim.
@____lauralopes____