Tenho esta mania estranhíssima
De repensar as conversas que tive
Todas, de cada minuto, de cada dia
Não as coisas que haveria de ter dito
Embora isso também às vezes se acometa
Mas aquelas, e principalmente aquelas
Com histórias tristes
Aquelas que não mais têm fim
Ou saída, ou luz, ou o que lhe couber
Repenso estas conversas
E me surpreendo por tê-las quase sempre com mulheres
Todas elas presas em uma mulher
O peito gaiola que carrega a minha mãe
Como é possível guardar tantas mulheres infelizes dentro do mesmo corpo
Caminhar deve ser quase impossível
Talvez por isso ela se sente há anos no mesmo lugar
Talvez por isso ela se sinta há anos no mesmo lugar
Talvez por isso ela se arraste para chegar (onde)
Talvez o chão seja asfaltado (quem)
Ou talvez ela carregue nas costas um homem
E ele a segure firme pelos cabelos
Tenho esta mania estranhíssima
De repensar a conversa que tive
Naquela manhã, bebendo café
Em xícara dada pela empresa
Ganhada pelo suor do trabalho
Quando meu pai reclamou de estar pesando mais de noventa quilos
Talvez devesse tê-lo encorajado a caminhar
Sozinho.
Artista, poeta, diretora de arte e educadora, Leticia Feltrin nasceu em março de 1997, no interior de São Paulo. Passou pela Panamericana, em 2015, e graduou-se em Artes Visuais pela Unicsul, em 2019. Já esteve em 4 exposições coletivas, e atualmente está organizando sua primeira individual, prevista para 25 de agosto de 2023.
@a_leticiafeltrin