Reminiscência 

“O que os livros escondem, 

As palavras ditas libertam”. 

(Conceição Evaristo) 

Antes de partir, guardou as lembranças 

Que lhe traziam medo 

Esboçou-as, em segredo, 

Como se faz quando é criança. 

Antes de partir, 

Desfez-se das roupas 

Que não mais lhe cabiam: 

Frouxas. 

Despediu-se rouca, 

Das cordas vocais 

Soltas 

Nasceram suas preces terminais. 

Enterrou as flores roxas 

Na sacada: 

Mortas. 

Apertou as calças frouxas 

Que desnorteavam seus passos, 

Rompeu as correntes de aço 

Que amordaçavam sua boca. 

Desaprendeu a crer 

Quando suas teorias 

Não afrontavam as suas utopias. 

Antes de partir

Despediu-se da labuta 

Ressurtiu: 

foi à luta.

Fobia criativa 

Encarava a folha em branco, 

Rabiscando sentimentos em versos, 

Segurando, na garganta, o pranto, 

Poetizando seus restos. 

Na folha vaga, 

Não encontrava o que lhe preenchia, 

A palavra doce que faltava, 

Para complementar sua forma vazia. 

Não quis deixar outra folha ali solitária, 

Esmaecendo sem cores para perfumá-la, 

Toda pálida, monocromática. 

Por ela, escreveu sonhando, 

A folha, agora, vivia por todos os cantos, 

Se não uma memória, um conto. 

Patologia crônica 

“Você queria me ver quebrada? 

Cabeça inclinada e olhos para baixo?”. 

(Maya Angelou) 

Dói, 

O conhecido vazio

Das mães, de olhos mórbidos, Que choram para ter seus filhos Livres das amarras do Estado. 

O mesmíssimo desespero, 

No semblante da criança, 

Que de mãos abertas implora Por dois contos de esperança. 

O constante ceticismo 

Dos discursos de profetas, 

Que exigem o dízimo 

Para fazer de sua salvação uma oferta. 

Por cada jardim de rosas cultivado, Por aquelas que foram antes de mim, E outras que ainda irão. 

Se não morro em rebelião, 

Morro de sede: 

De poesia, revolução. 

Autoamor 

Chega de bobeira: 

Solte esse rabo de cavalo, 

Deixe o vento penteá-lo. 

Entregue-se, mas desapegue, Levante e encante, 

Dance sem ritmo: desajeitada. Descabelada, toda bagunçada,

Cante sem saber a letra: 

Invente a sua, improvise. 

Despida, nua: 

Sem moldes, 

Sem etiquetas. 

Por que guardar tralhas que já não são tão suas?