TEREZA NÃO ACREDITA(VA) NO DESTINO
Depois de um ritual de quase uma hora resumido em acordar, escovar os dentes, tomar banho, fazer uma maquiagem digna de uma celebridade, tomar um gole de café com leite e dar uma mordida em uma torrada com geléia de damasco fora do prazo de validade, ela finalmente estava pronta para sair. Pela primeira vez, Tereza estava atrasada para o trabalho, onde fazia questão de chegar sempre com vinte minutos de antecedência. Sua mãe ligou e Tereza, educadamente, tentou dispensá-la o mais rápido possível. Explicou-lhe que estava atrasada. Sua mãe respondeu que o destino sabia o que fazer e que, se estava atrasada, tinha um porquê. Tereza nunca foi de acreditar em destino, astrologia, signos ou qualquer outra superstição. Sempre foi uma mulher que precisava ver para crer, que precisava de dados científicos que lhe comprovasse as coisas. Prometeu para a mãe que ligaria mais tarde para conversarem. Desligou o telefone, pegou as chaves e saiu de casa.
Do hall do décimo andar do prédio onde mora, chamou o elevador. Aproveitou a breve descida até a garagem para retocar o batom no espelho. Alguém chama o elevador no quarto andar. O elevador dá um tranco. Tereza se desequilibra de cima de seu salto, mas consegue manter a pose como se nada tivesse acontecido. A porta se abre e entra Carlos, o vizinho bonitão com quem trocou olhares na última reunião de condomínio. A conversa não poderia ser mais clichê. Perguntaram “Como vai ?”, responderam “Tudo bem!” e quando teve a oportunidade de elogiar a gravata do vizinho, o belo terno de alfaiataria que parecia ter sido feito sob medida ou seus belos olhos verdes, Tereza jogou mais um clichê ridículo e questionou: “Está fazendo calor hoje, né!?”. Para o seu alívio, Carlos abriu um sorriso e disse que conhecia um barzinho com drinks refrescantes que poderia lhe apresentar, caso ela quisesse se refrescar ao fim do dia. Combinaram que se encontrariam no tal barzinho, às sete em ponto, quando saíssem do trabalho. Entre o primeiro andar e o térreo, outro solavanco. Tereza se desequilibrou novamente. Apoiou sua mão sobre os ombros largos de Carlos. As luzes do ambiente piscaram e o elevador parou. Tereza ficou apavorada. Não que ela fosse claustrofóbica, mas fez um drama no pior estilo dramalhão de novela mexicana que pôde. Carlos pegou as mãos de Tereza entre as suas, lhe convenceu de que tudo ficaria bem e lhe ensinou um exercício de respiração “ótimo para relaxar”. Olharam um para o outro e riram.
Meia hora havia se passado. Quando deu por si, Tereza já estava descalça e Carlos sem paletó, com a gravata afrouxada e ambos sentados no chão do elevador. Falavam sobre o último filme de Woody Allen que havíamos visto e adorado. Do lado de fora, o zelador do prédio avisava que o técnico já estava trabalhando para os tirar dali. Uma parte dela se sentiu aliviada, mas outra parte queria continuar ali com aquele homem bonito, elegante, forte e que também gostava dos filmes de Woody Allen. Carlos era a definição de homem perfeito, segundo os gostos pessoais de Tereza: era alto, forte, tinha a pele negra, os olhos da cor de balas de caramelo, braços fortes e boca carnuda. Ele era novo no condomínio e, de acordo com informações obtidas por Tereza com uma das funcionárias da limpeza do prédio, com quem conversava vez ou outra, descobriu que o rapaz era solteiro e não tinha filhos. O zelador gritava que o elevador estava consertado. Tereza se recompôs. Carlos vestiu seu terno e Tereza o ajudou a apertar o nó da gravata. As luzes acenderam novamente e o elevador voltou a funcionar. Parou no térreo onde o zelador os recebeu com um sincero e longo pedido de desculpas. Desceram até a garagem pelas escadas e lá se despediram. Trocaram telefone e Carlos prometeu ligar para confirmar o encontro. Carlos deu-lhe um beijo no rosto antes que entrassem em seus carros. Tereza estava em êxtase. Nem se lembrava que estava atrasada. Fez o caminho entre a casa e o trabalho ouvindo um pagode chiclete dos anos 90 e, desde esse dia, nunca mais duvidou do destino.
Diego Oliveira é nome artístico de Diego Baptista. Formado em Rádio e TV pela Universidade São Judas Tadeu (2011) e nos cursos de Produção de Moda (2014), Publicidade (2018) e Produção de Eventos (2022). Diego Oliveira foi idealizador, roteirista e produtor dos documentários "Macho, sim senhor" e "Batom e Violão", exibidos no Canal Futura em 2018. No mesmo ano, dirigiu e roteirizou o curta "Posso Te Beijar?", que conta com quase 200 mil visualizações no Youtube. Em 2019 produziu e dirigiu o documentário (média-metragem) intitulado "Família de todas as cores". O projeto participou dos festivais "Festivou" (Brasil, 2020), "LiftOff Sessions" (Reino Unido, 2020) e "Satyrianas" (Brasil, 2022). Na literatura, Diego escreveu os contos "Elevador", que entrou para a antologia "Quando a alma brada por socorro" (Elemental Editoração, 2019); "Aprender a dizer eu te amo", para a antologia "Histórias de Quarentena" (Editorial Centro de Estudios Sociales de America Latina, 2020) e “De salto alto sobre a areia” para a edição número 1 da revista “Toma aí um poema” (2021).
@oliveirahdiego