o rosto no espelho
Há dias em que a solidão pesa mais do que o ar em meus pulmões. São momentos em que me vejo confrontada com a inevitabilidade do tempo, com a cruel passagem dos anos que insiste em marcar cada ruga em meu rosto e esconder a juventude que um dia me pertenceu. É nesses momentos que eu encaro o espelho, buscando uma resposta, buscando a mulher que um dia fui e a que me tornei.
Sou uma escritora perdida em meio aos capítulos da vida, vagando pelas páginas em branco de meus dias, procurando encontrar uma história que ainda não contei. Mas o tempo, esse carrasco impiedoso, sussurra em meus ouvidos que as páginas estão se esgotando, que o fim está próximo, e eu me vejo obrigada a confrontar o vazio existencial e o medo do envelhecimento.
As linhas de expressão ao redor dos meus olhos, outrora brilhantes e cheios de vida, agora são testemunhas silenciosas do peso do tempo sobre minha pele. Elas me encaram no espelho, como mapas que traçam a rota dos meus desgostos e das minhas perdas. Os cabelos que um dia foram sedosos e rebeldes, agora parecem desbotados e sem vida, desvanecendo junto com a chama que um dia me impulsionou.
Então, numa noite de inquietude, decidi enfrentar meu reflexo, encarar aquela mulher que se escondia atrás do espelho. Os olhos cansados encontraram os meus, em um olhar que parecia transbordar tristeza e desilusão. E foi naquele instante que uma voz ressoou em minha mente, quase como um eco dos anos perdidos.
"Quem é você?" sussurrou o espelho. "Quem você se tornou?"
A pergunta ecoou em minha alma, ecoou como uma ferida aberta que precisava ser curada. E eu soube, naquele momento, que precisava encarar meus demônios interiores, meus medos e inseguranças, para encontrar a verdadeira resposta.
Abandonei a segurança do meu quarto e me aventurei pelas ruas da cidade, buscando pistas sobre quem eu havia me tornado. As pessoas passavam por mim, indiferentes e apressadas, mas eu estava determinada a encontrar uma resposta. Eu precisava sentir a vida pulsando novamente em minhas veias, o sangue quente das experiências e das descobertas correndo em meu ser.
Caminhei por vielas sombrias, adentrei bares mal iluminados e me misturei aos personagens da noite. Os rostos desconhecidos me olhavam com curiosidade, como se tentassem decifrar a minha própria existência. Eu queria me perder entre eles, ser apenas mais uma figura entre tantas, sem o peso de uma identidade que parecia ter se desvanecido.
E então, em meio à fumaça de cigarros e risos vazios, eu me vi. Me encontrei nas histórias contadas pelos estranhos, nas lágrimas que escorriam silenciosas pelos rostos calejados da vida. A cada olhar que cruzava com o meu, eu via a história de uma vida sendo contada. Alegrias, tristezas, esperanças e desilusões, todas refletidas naqueles olhos cansados.
Percebi que a beleza não era mais uma questão de aparência, mas sim de uma alma que viveu e sobreviveu às intempéries da existência. Eu enxerguei a coragem nos traços marcados pelos anos, a sabedoria que só o tempo poderia conceder. Minhas rugas eram linhas de uma narrativa, escritas com lágrimas e risos, e cada uma delas contava uma história.
Voltei para casa, encarei o espelho novamente, e dessa vez não vi mais uma mulher assustada e perdida. Vi uma mulher que carregava a bagagem de uma vida bem vivida, uma mulher que encontrou beleza na própria imperfeição. As rugas eram marcas de uma jornada, as cicatrizes eram testemunhas de batalhas travadas e superadas.
Enquanto encarava meu reflexo, percebi que não precisava mais temer o envelhecimento, pois ele era apenas mais um capítulo dessa história inacabada que é a vida. Cada dia, cada ruga, cada momento vivido era uma oportunidade de crescer, de se redescobrir e de amar a mulher que eu me tornei.
Eu sorri para aquela mulher no espelho, com a certeza de que ela era uma escritora, a autora de sua própria história, e que cada palavra escrita em seu rosto carregava a essência de sua alma.
A partir daquele dia, mergulhei em uma jornada de aceitação e amor próprio. Escrevi palavras de gratidão em meu reflexo, valorizando cada linha de expressão e cada fio de cabelo grisalho. Eu me tornei a protagonista de minha própria narrativa, sem concessões ou medo do tempo que estava por vir.
O rosto no espelho já não era mais um lembrete do envelhecimento, mas sim um símbolo de coragem, resiliência e autenticidade. A beleza estava nas histórias que vivi e nas histórias que ainda estavam por vir. E eu estava pronta para escrever cada uma delas, com a caneta da minha própria existência.
Eu era a escritora da minha vida, a mulher que encontrou a verdadeira beleza além dos limites impostos pelo tempo.
Nos dias que se seguiram, mergulhei ainda mais fundo na minha jornada de autoaceitação e autoamor. Abandonei as amarras da expectativa social e das convenções estéticas, abraçando minha autenticidade e valorizando minha singularidade.
Despertei uma nova confiança em mim mesma, alimentada pela compreensão de que a verdadeira beleza não pode ser contida em padrões superficiais e efêmeros. Ela reside na minha essência, na minha coragem de enfrentar meus medos e na minha capacidade de me reinventar a cada obstáculo superado.
Encontrei beleza nas pequenas coisas: no brilho dos meus olhos ao saborear o primeiro gole de café pela manhã, no calor reconfortante de um abraço verdadeiro e nas linhas do meu rosto que contam histórias de amor, perda e superação.
A escrita continuou a ser minha aliada nessa jornada. Cada palavra que fluía de minha caneta era uma celebração da minha jornada de autodescoberta. Meus textos, agora impregnados de autenticidade, tocavam os corações daqueles que se identificavam com as lutas e as vitórias que compartilhava.
Compartilhei minha história através de um blog, oferecendo um espaço de reflexão e inspiração para outros que também buscavam encontrar a beleza em suas próprias jornadas. As palavras se tornaram pontes de conexão, unindo almas em busca de aceitação e amor-próprio.
E assim, o medo do envelhecimento se transformou em um lembrete constante de que a vida é fugaz e preciosa. A cada nova linha esculpida em meu rosto, eu me lembrava de viver intensamente, de abraçar as experiências, as pessoas e as oportunidades que cruzavam meu caminho.
Encontrei beleza não apenas em mim mesma, mas também no mundo ao meu redor. Passei a valorizar a simplicidade das flores desabrochando no jardim, o espetáculo do pôr do sol tingindo o céu com cores vibrantes e a música da chuva batendo nas janelas em uma tarde tranquila. Cada momento se tornou uma obra-prima, uma manifestação da beleza que permeia o universo.
Com o tempo, aprendi que a verdadeira beleza não conhece limites de idade. Ela floresce em todas as fases da vida, desde a juventude radiante até a sabedoria enrugada dos anos vividos. A beleza está na aceitação de nós mesmos, na celebração das nossas histórias e na conexão com a nossa essência mais profunda.
Ao confrontar o rosto no espelho, encontrei muito mais do que um reflexo físico. Descobri uma força interior que me impulsiona a viver de maneira autêntica e apaixonada. Cada ruga é um lembrete de que estou viva, que enfrentei desafios e que tenho a coragem de continuar seguindo em frente.
E assim, sigo adiante, escrevendo minha história com letras ousadas e cheias de vida. Não importa a idade, pois a beleza verdadeira transcende os limites do tempo. Sou a escritora da minha vida, e continuarei a explorar cada página em branco com a confiança de que a beleza está em cada momento vivido e em cada capítulo por vir.
Matile Facó, 31 anos, nascida em Fortaleza no Ceará, escritora inquieta, expressa emoções profundas em suas palavras. Com blog, e-book e arte nas redes sociais, desafia convenções e toca corações. Sua busca por verdade e autenticidade inspira a viver com paixão e coragem, despertando o poder transformador da arte.
@meu.universo.inteiro