quantas imagens o olho suporta?
O letreiro do Hospital São Francisco, o homem que varre as folhas com uma máquina do tempo, o cabelo branco que surgiu onde antes não existia. Lentamente vou fazendo essas escolhas. Na minha família todos eram silenciosos, inclusive você que agora escreve sentado na última mesa da cafeteria Paris e anda tirando fotos da cidade como se fosse um turista, que se esforça para permanecer estrangeiro - um desconhecimento, algo que lhe toma como um zumbido no ouvido esquerdo; pode ser perda progressiva de audição e deixar de ouvir o ruído das palavras seria terrível.
No mesmo prédio da cafeteria, no andar de cima, há uma escola de música e se chama apenas escola de música e ensina apenas música, no alto daquela esquina, silenciosa e imóvel, como minha família, como você que agora escreve sentado na última mesa da cafeteria Paris após comer metade de um pedaço de torta de chocolate e beber o resto do café que esfriou no fundo da xícara de café. Pensa que deve fazer isso, como uma obrigação, mesmo que seja ruim. Não sabe quem lhe transmitiu tal herança, de que lugar ou parentesco. Não sabe e o café ruim, do resto que sobrou no fundo da xícara, não lhe parece tão ruim. Escola de música, escrevo no alto da página do bloco de notas, depois anoto: tirar fotos é inventar nostalgia.
Marcelo Martins Silva é de Porto Alegre (RS), escreve poesia e prosa. Em 2019 lançou o livro de poesia O que carrego no ventre, Editora Figura de Linguagem, finalista do Prêmio AGES, promovido pela Associação Gaúcha de Escritores. Em 2020, lançou o livro de poesia A Matéria Inacabada das Coisas, Editora Diadorim. Em 2021 publicou a novela “Mil Manhãs Semelhantes”, na Revista Parêntese.
@marcelofalcon