5 POEMAS SOBRE A MATERNIDADE
1. Um corpo
Mulher nenhuma
tem o próprio corpo
somos sangue jorrando
estancado às pressas num grito
(abafado)
somos incêndio
presença radical
corpos narrativos
corpos-gênese
úteros do mundo
a parir
recomeços
2. Notas sobre o patriarcado
foucault disse:
sociedade disciplinar
marx disse:
sociedade de classes
deleuze disse:
sociedade do controle
byung-chul han disse:
sociedade do cansaço
A Mãe diz:
Às minhas custas.
No princípio era a Mãe.
O Verbo veio muito depois.
Marilyn French
3. Pequeno poema de terror
(ou apenas puerpério)
Tirei o bebê do peito
coloquei no colo
aliviada
horrorizada:
do berço
ele me olhava
onde eu estava?
onde eu estava? onde eu estava? onde eu estava?
onde eu estava? onde eu estava? onde eu estava?
onde eu estava? onde eu estava? onde eu estava?
onde eu estava? onde eu estava? onde eu estava?
onde eu estava? onde eu estava? onde eu estava?
onde eu estava? onde eu estava? onde eu estava?
onde eu estava? onde eu estava? onde eu estava?
onde eu estava? onde eu estava? onde eu estava?
onde eu estava? onde eu estava? onde eu estava?
onde eu estava? onde eu estava? onde eu estava?
onde eu estava? onde eu estava? onde eu estava?
onde eu estava? onde eu estava? onde eu estafa.
4. Mãe Mãe Mãe Mãe Mãe Mãe Mãe Mãe Mãe
Enquanto escrevo
este poema
minha filha me chama
nove vezes
e
por nove vezes
eu paro de escrever.
Queria versos cadenciados
ritmados
metáfora sinestesia antítese assonância anáfora aliteração
mas
“Mamãe, meu dente caiu”
só permite o paradoxo
do poema escrito
às pressas
- nas frestas -
um quase-texto
sobre a frustração.
5. Ready-made
Se apenas as dores existenciais
do herói
branco
hétero
de meia idade
são universais
Eu não posso escrever a minha dor?
Este verso não pode ser sobre o peito dilacerado
[vertendo abandono sangue leite?
Por quê?
até o homem universal já mamou.
Sobre as obras
Os poemas foram publicados em revistas e sites, como A Linha do Trópico, Aboio, Zine Monstera, e no livro barba azul Decapitado, em edição pelo Selo Auroras.
Karola Lobo é sobrevivente de uma depressão pós-parto. Mestre em Artes da Cena, mora em Taubaté, onde fundou a Produtora Flor Filmes e dirigiu o premiado "DUDA", curta de terror inspirado nos diários do seu puerpério. Além disso, é criadora e mediadora do Clube do Livro Feminista Elas Reveladas e da Escola de Cinema para jovens de Escolas Públicas do Vale do Paraíba. Seu primeiro livro de poemas, barba azul Decapitado, está sendo editado pelo Selo Auroras, da Editora Penalux.
@karolalobo