Sonho de Janeiro
Sonhei que eu estava com um homem.
Andávamos pela rua apressados, logo começaria a chover. Tempestade de verão.
Acho que era final de janeiro, o sol estava brilhante e eu tinha tomado sorvete, minhas mãos estavam grudentas e com cheiro artificial de uva.
Gordas gotas começaram a cair, nos escondemos em uma viela afastada, com uma grande árvore que nos cobria. O vento estava tão forte que a chuva não nos molhava, escondidos atrás da parede da viela. Esperamos mais, ele chegou perto de mim.
Quando me beijou, fiquei de olhos abertos, pensando no quanto não sabemos sobre as pessoas que transamos. Quantos outros meninos ele já haveria beijado daquela forma? Mas também nada sabemos das pessoas que ainda vamos transar. Sexo é sempre um mistério. O sonho era estranho e não sei se conhecia aquele homem. Ele passava a mão pelo meu corpo, e quando sentiu minhas mãos grudentas, levou meus dedos a sua boca e os chupou. Eu achei a cena um tanto brega e clichê, mas fiquei com tesão mesmo assim.
A árvore que nos cobria soltava mil folhas e flores com a ventania, havia algo de dramático em tudo aquilo, na violência com que os galhos se mexiam, com que meu corpo reagia. Senti como se a natureza toda, todo o universo se movia naquela pequena viela.
Morte e vida, sexo e corpo, espírito e razão, orgânico e artificial. Tudo que se podia aprender sobre todo o universo estava acontecendo naquela viela, enquanto aquele homem enfiava a língua na minha garganta e eu olhava as folhas que caiam.
Talvez eu nunca me sentisse tão vivo quanto naquele momento. Era aniversário de São Paulo.
Rafael Percino é gay e cisgênero. Ator, pesquisador de arte e crítico teatral. Se formou em Artes Cênicas pela UNESP e se tornou Mestre em Artes também pela UNESP. Integra o Grupo de Pesquisa de Poéticas Atorais desde 2015, com experiência em teoria teatral, crítica e estética. Tem diversos amores, alguns deles humanos, outros não.
@rafaeper