eram três passos pra atravessar a esquina
eram as águas de um rio-de-rotina
eram quatro palavras sendo balbuciadas
era a correria daquela menina
no meio da tarde em plena calçada
à Vitória, à Emily, ao Caio Fumaça
dedico esta poesia que aqui se esvoaça
se eu conseguir ampliar o meu verbo
que nunca esqueçam todes que aqui estiveram
quem construiu este espaço nunca foi prefeitura
a todes pedreires locais, MC’s e poetes de rua
ao meu pai-professor-francisco-guerreiro
que me ensinou a voar desde muito cedo
nunca foi de graça pra se falar poesia
recito com as dores que chorei um dia
se mandarem corrigir aqui o meu verso
mandarei o que aprendi em papo reto:
respeita minha rima, mano, rima não dialeto!
eu não tenho passe livre, não
o acesso me é cortado à risca
o açoite na playstore para download gratuito
alguém por favor me belisca
pra ver se acordo do pesadelo
tenhos sonhos grandes demais
que transbordam meu peito
que me despertam ligeiro
aquilo que penso não
comporta este corpo
acordo às vezes me sentindo um tanto morto
e dizem que tá na minha mão
dizem que é meritocracia
como se o sistema não estivesse em coalizão
com tudo aquilo que me silencia
eu tô há alguns séculos em atraso
e esse meu cansaço é ancestral
não normalizar aquilo que me fere se tornou a meta vital
meu rolê é se sentir viva nem
do lado de quem cola e tá comigo
e nem, a tua escuta por vezes é meu abrigo
não quero tá sempre no front e com muito escudo
quero pixar livremente no muro
quero minha poesia espalhada
minha escrita urbana também é arte
e eu quero estar por toda parte
nessa cidade que não me cabe
quero o auxílio chegando na ponta
a construção dos nossos espaços
eu quero o dinheiro na tua conta
e não teus sonhos caindo aos pedaços
os estilhaços da vida se uniram
pra fazer eu reviver mais um dia
e é nos cansaços que os teus abraços me traz um pouco alegria
a gente teve que se virar tanto
pra chegar até aqui
e eu quero não mais sangrar sabe
eu não quero acordar meio bad (vibes
eu não quero ter medo de rasgar o verbo, nalata, nagarra, natora
eu não quero mais ter medo de ocupar estes lugares que me foram negados na
história
a fala também é meu lugar
a escuta também é meu lugar
a escrita também é meu lugar
o pódio também é meu lugar
e o palco, ah amor! o palco também é meu lugar
entender esses espaços que me cabem
mas sou grande, imensa, densa escuridão
eu não caibo no palmo da tua mão, nem na grade, no teu navio ou no caminhão
mas sou grande, sou imensa, densa escuridão
e o que escrevo é em carne viva, escrevo em sangue, suor, sede e em solidão.
se na tua palavra progresso carrega uma massa de extermínio, eu destruo teu
processo e te tiro do domínio
eu recuo o que for necessário pra chegar chutando a porta porque essa tua faca
desamolada já não mais me corta
fica bem parado ouvindo a destruição
chegando de mansinho ao som desse paredão
que minhas armas são a escrita, o destino e o improviso
eu conheço o meu chão e sei muito bem onde piso
não tenho medo da queda, da pressão e nem do alarde
aprendi com a Sabrina a não ler da cartilha dos covarde
e eu posso até ter medo de caminhar um passo
mas ao meu lado não tô só pra me guiar no que eu faço
não há marco temporal que te tire da tua terra
o chão e a floresta não serão vencidos pela serra
essa luta também é nossa, pelo nosso viver e respirar
se isso for ser brasileire, quero desabrasileirar
é que falta um pouco de mente, em quem tá no governo
mas nos bolsos grandes agropecuários sobram rios mas de dinheiro
que não chegam no bolso de quem precisa de uns reais pra pegar um busão
sair da perifa, enfrentar um guardinha pra só aí entrar na sala dum curso de
produção
não chega o dinheiro na porta de quem não tem um pc pra escrever um projeto
mas à porta bate a miséria, a fome, a polícia, o crime e o projétil
são tempos difíceis, na base da sevirologia
mas esqueceram que a gente que é cria,
e nóis cria nossa língua, nosso teto, nosso afeto e tecnologia