éramos um amor amanhecido
feito a memória de quem a gente foi
mas na primeira luz do dia, seremos outros
nesta pele suada
antes dos meus, eram teus os dedos
na tentativa de te abraçar os olhos
e dizer é tua esta coisa viva
tocar uma outra terra
desejar um outro desejo
o nome que te chamo é sempre outro
(aqui não digo)
só depois
inventar o momento
em que a palavra nasce
(o instante antes do verbo, não se sabe)
pra que exista no começo o encontro
neste poema há o vestígio:
você esteve aqui
toda escrita se começa
numa ausência:
o corte inaugural
de quem nela se fere
sonhar o sonho de que
seja palavra e coisa
a mesma carne
(nessa pele, nada é)
as mãos feito uma concha
o anúncio breve observação
um aposto sem nome
inaugurar um destino
depois do verbo
nessa solidão abandonada
repetir até que se diga coisa
pergunto qual a graça
em tudo exposto
você, olhos nos olhos
ainda é silêncio
devolver a língua
ao corpo
até que se apague
um rastro