Demorou, meu bem
Ele ouvia um toque se repetindo incessantemente. Era um som agudo, longe, que tocava por poucos segundos, parava... E voltava a repetir. Ainda estava meio zonzo e com o estômago embrulhado.
Sentou-se na beira da cama, respirou fundo, vestiu a calça, colocou o sapato, andou até a parede de vidro em frente à cama e olhou para o céu nublado. Atrás, na cama, estava mais um passatempo que ele deixou dormindo. Fechou calmamente a camisa e saiu do quarto, pegando o blazer do chão.
Enquanto o elevador descia do último andar até o térreo, uma senhora entrou.
“Tudo bem, meu anjo?”
O rapaz estava escorado na lateral de braços cruzados, olhando fixamente seu reflexo no vidro. Olhou a senhora pequena e muito bem arrumada que limpava os óculos. Em sua face estava estampado o grande NÃO.
“Sabe, eu me lembro de quando era jovem assim e, acredite ou não, era uma noite atrás da outra também.”
Ela não podia saber o que estava acontecendo com ele, nunca vira a mulher em sua vida. Pensou em falar algo, mas continuou calado observando.
“Meu marido sabia, mas ele preferia não me enfrentar e dizia pra todo mundo que os rapazes que me acompanhavam eram seguranças... Um dia, levei um rapagão para casa e a chegada do meu marido não impediu que continuássemos nossa festa.” Ele esboçou um pequeno riso no canto da boca. “Era manso, coitado, mas eu ainda o amava. Acho que o problema é que ele não sabia o que estava fazendo na cama.”
Quem era aquela senhora? Ele nem a vira entrar no elevador.
“Esse foi meu segundo marido”, ela não parou de falar. “E digo com orgulho que depois dele vieram outros três, mas hoje já não consigo arranjar outro homem para mim. O que é bom porque as mulheres estão sabendo mais que os últimos rapazes que conversei.”
A verdade é que não a conhecia, mas ela havia ganhado sua atenção e admiração. Preferiu deixar a senhora terminar a história sem interrupção, apenas descruzou os braços e colocou as mãos no bolso.
“Imagino que você esteja passando por algo parecido, não é?” Ele se encolheu. “Tive meu primeiro casamento muito jovem, mas ele continua sendo até hoje o homem que mais amei na minha vida, uma pena ter morrido. Esse eu honrei, podemos dizer assim. Nunca o traí e continuei ao seu lado até o final. O momento mais difícil da minha vida ver o meu amor morrendo aos poucos, se desfazendo lentamente, mas sua família me ameaçou e não deixou que eu o tirasse do hospital. Ele teve que passar seus últimos dias em uma cama de hospital ao invés de aproveitando comigo.” Ela limpou a lágrima solitária que ameaçava escorrer. “Não estou querendo te dizer que era o melhor relacionamento do mundo, tínhamos nossos momentos de fraqueza, mas nosso amor sempre continuou.”
A senhora parou por um instante, olhou para o teto e começou a recitar um poema.
“Esse foi o poema que ele me disse na manhã em que morreu. Era um ótimo escritor... Você devia voltar para a casa e convidá-la ao cinema ou qualquer coisa. Recite o poema. Sei que ela é especial pra você”, ela virou para a porta. “Já vi muitas pessoas com esse mesmo vazio que você sente e elas acabam deixando a chance passar entre os dedos, então não seja mais um número.”
O rapaz olhou para baixo e quando tornou a olhar para a senhora ela já estava saindo do elevador. Ele finalmente perguntou então:
“Desculpe, senhora, mas quem é você?”
Ela deu um leve sorriso e disse “quando sair, olhe para trás”. Então foi embora.
Podia sentir seu peito quente, seu coração acelerado e milhões de ideias sobre o que diria para aquele que era seu amor.
Na recepção, pegou um papel para escrever antes que esquecesse as palavras. Dobrou e colocou o papel no bolso do peito. Saindo, lembrou-se do que a senhora havia dito e olhou para ver o nome do hotel.
O apito em seu ouvido continuava, mas dessa vez ainda mais alto. Ele não conseguiu sequer ouvir o carro em sua direção.
A televisão relatou o acidente e leu o bilhete em seu bolso na esperança de que a pessoa a quem se referia ouvisse o que fora escrito.
A moça mais bela que já vi
A moça que eu nunca esqueci.
As coisas podem ter fugido do planejado
E essa história não ter durado,
Mas o que sempre será lembrado
É da moça que agradeço ter amado.
A moça que facilmente me ganhou.
A moça que assim me conquistou.
À moça mais bela que já vi
À moça que nunca me esqueci
Douglas Santana é natural de Londrina, Paraná. Formado em Letras pela Universidade Estadual de Londrina, atua como revisor e tradutor para editoras. Sempre se interessou pela escrita e, especialmente, pela forma do conto. Também é músico e apaixonado pela poesia dessa arte. Interessa-se pela literatura contemporânea e outras artes, além de suas formas experimentais.
@douglas.as