Também sobre pessoas
Quando escrevo sobre o amor, dificilmente se trata de amor romântico.
Falo sobre o arrebatamento, sobre o fascínio sobre as coisas. E eu sou absolutamente fascinada, obcecada com minhas paixões. E isso não é sobre pessoas.
Não sei bem diferenciar paixão de amor. Nem eu e mais ninguém. Ninguém chega num consenso, como se fosse algo matemático, provido de métodos. Não é. É coisa de corpo que sente, e cada corpo é subjetivo a própria interpretação de si. E eu vivo com isso há mais de 30 anos, e não esquento mais a cabeça pra diferenciar uma coisa da outra. Se digo que amo, é porque estou profundamente apaixonada. E vice-versa. E isso ainda não é sobre pessoas.
Tem um espelho encantado no que é visto e sentido que retorna pra mim de um jeito brilhante e estranho. E se abro bem os olhos, sempre estou apaixonada. Exemplo: faz 22 anos que sou apaixonada pelo perfume da flor da dama da noite. Eu amo a existência dessa flor desde os meus dez anos de idade. Ela existe por existir, e nessa existência desprovida de significado, assim como a minha, eu fico inebriada. O amor que sinto pela existência casual não intencional de algo, e a reverberação apaixonante que isso causa em mim.
Eu amo muito o que amo. E amo o efeito em mim. Talvez esteja aí a diferença entre amor e paixão. Amar a existência, apaixonar pelo efeito. E isso não anda separado. Até que eu me prove o contrário, patética que sou.
Nesse momento estou amando a fala gentil de um senhor desconhecido que estava vendendo orquídeas na rua. Não comprei, mas ele me abençoou. E teve uma senhora, também desconhecida, que me deu um livro de presente, quando fiquei interessada nele. Lembrei agora da personagem de Tennessee Willians, Blanche Dubois “eu sempre dependo da bondade de estranhos”. Gentileza alheia me comove e me deixa apaixonada. Clarice diz na crônica O milagre das folhas, que deus é de uma grande delicadeza. Outra coisa que amo e sou apaixonada faz décadas, essa frase. Obrigada professora que não lembro o nome por ter me deixado ficar na biblioteca, depois da prova na escola no ano de dois mil e seis, e assim ter encontrado pela primeira vez Clarice, e lido O Milagre das folhas.
Talvez falas, talvez folhas, talvez professoras.
Amor e paixão podem não ser arrebatadores e viscerais, mas de sutis sutilezas. E aqui sim digo mais sobre pessoas do que de outras coisas.
Bruna Sattim nasceu em Cachoeira Paulista em 1990. Passou pelas faculdades de História, Artes Visuais, e atualmente, Letras. É poeta, cronista, contista, ensaista e bailarina.
@bruna.sattim