Sou tudo que me rodeia
Sendo parte de tudo, concebo-me em nada
Vou ebulindo através desta fraudulosa linearidade – a vida Sempre flagelada pela fugacidade dos instantes
Nada tenho para me resguardar de túrbida frivolidade Qual a importância de minhas penosas tentativas
Se sou, dia após dia, destilada ao mesmo irrisório desfecho?
Fugaz e miúda eucariota Incrustada no marasmo telúrico De lôbrega inexistência palpável
Embebida em impalatáveis devaneios Sufocadamente espiralada no abissal paradoxo Que é ser
Não sendo criatura alguma
Definhada não pela própria imaterialidade vaga
Mas pela falta de reconhecimento coletivo sobre a mesma
E vou vivendo assim
Em simbiose com o espectro do que chamam de existir Diferença alguma fará
A dissolução deste entrópico orgânico Continuarei parte de tudo que é, não foi e será
De tudo não percebido pelas nossas nebulosas ilusões Estas sisíficas fantasias
Inebriando-nos com a falácia da significância E eu nada sei
E eu nada significo E nada sou
Ou serei
Senão vestigial organismo Endocitado pelo esquecimento!
Ainda assim, luto para não enfermar em irreversível e fatal letargia
Mesmo sabendo que o chão que piso
É um chão de vidas pulverizadas
E amores olvidados
Cíclico palanque de massivas ruínas É mais soterrada cadaverina
Do que vida animal resistindo
É o sustento de um pilar em putrefação
- nossa umbrofílica trajetória-
É o abrigo da iminente queda do Antropoceno E de sua jovial fossilização ao Nada.
Em vão. Nos meus piores dias, parece em vão Tentar agir nesta pífia vivência
Contínua em sua decomposição. Fincados aos nossos maiores sonhos A Terra nos fagocitará
Nós, bípedes incongruentes
De irrelevante exocitose ao cosmos
Em vão parece ser, quando derrotada por fúnebre exaustão Quando sou macerada em impotência
Diante de cada ignóbil ato que germina
Oriundos de toda e qualquer virulenta e astigmata horda vil Sórdidas turbas infiltradas no tecido social
Genitoras de granulomatosas lesões
Em vão parece ser, quando saturada de desoladora estafa Tentar abrandar a vileza deste sistema
Contudo, é pela insignificância compartilhada E em jus ao esquecimento, nosso único legado Que acredito ser preciso continuar resistindo
Para que todos desfrutem, algum dia, de suas efemeridades com dignidade
Sendo este o único sentido intrínseco a nossa quimérica cúpula
Assim, luto para não enfermar em irreversível e fatal letargia
Mesmo sabendo que o chão que piso
É o mesmo por onde pisarão Encapsulados arranjos moleculares Feitos do que fomos todos
Em outra Era
Estes, marinados em suas próprias redomas Jamais saberão de nossos amores vividos
E perdidos!
Pois essa vida nada mais é
Além de um descomprometido parto extravasado pelo acaso Com o martírio de manter consigo
Uma perseguição ansiosa pela aleatoriedade inconsciente É pura matéria fadada a ser liquefeita
Através de esporos cotidianos E heterotróficas moneras!
Ainda assim, luto para não enfermar em irreversível e fatal letargia
Inevitavelmente
Sou direcionada às paralisias E sou contradição
Durante minhas paralisias
Fico deitada durante horas e horas Inundada.
Ainda, pelo que parece
Uma por uma, as organelas de minha carcaça são enclausuradas neste queratinizado limbo que chamo de Corpo
Meus sarcômeros, um por um, enteiam-se Implodem
Até que comecem a exsudar, juntos ao epitélio que descama E descama
E desidrata
E é carreado pelo vento E é inoculado ao solo De onde sairá algum Ipê Enquanto continuo ali
Não poderia constatar o que é real ou não
Tudo aquilo tragado pelas minhas córneas pode ser E também o que não é
Minha realidade coagula-se à criatura chamada Eu Todas as imensuráveis realidades
De todos os seres Estão ao meu redor
Ocultas pelo referencial restrito Dos meus ordinários sentidos
Não temo, portanto, que esta cúpula não passe de um ardiloso sonho ou paródia ínfima
Não temo a septicemia da irrealidade sobre nossos corpos
Já estamos aqui, existindo inexistentes em caliginoso ciclo carcerário
Alguns dias, cansada de tudo e em segredo Tomada pela fadiga
Dolorosa e injustamente gostaria que fôssemos mesmo algum sonho decaído
Ou estapafúrdia simulação
Ou, ainda, cataclísmica psicose
O que temo é a não irrealidade por completa; Chego a sentir um frágil alivio
Por saber que inexistimos em inumeráveis referenciais Mas com um sepulcral pavor
Não por saber que continuamos existindo uns para os outros De ilusões para ilusões
Mas pela existência das nossas misérias Que ainda estão aqui
Construídas e mantidas dia após dia pelos e para que os peixes grandes continuem a nadar
Às custas dos cardumes
Num oceano que nunca lhes coube.
Embalsamada em momentos agudos de uma exaustão que já me é crônica Cedo, vez ou outra e sem escolha, aos picos de inerentes paralisações
E envolvo em cada folículo que me compõe Minhas amenas distrações
Protegidas de qualquer astigmata e virulenta horda ou Indivíduo vil.
Compacto a energia necessária quando submersa Para permanecer indignada entre um pico e outro; Para permanecer.
Cuidando sempre para não enfermar em letargia Que tanto seduz
Que tanto ainda me ganha Que tanto ainda resiste
Mas que sempre é reversível- Nunca, até hoje, fez-se fatal
E vou vivendo, além de tudo Equilibrando-me num tênue pêndulo Quase esmiuçado pela fadiga
Por ser parte de tudo Por ser parte de nada
Por estar entre um e outro Suspensa no inaplicável E vou vivendo
Lutando para não enfermar em irreversível e fatal letargia Até que, inevitavelmente
Seja-me revelada e completamente tangível A fagulha da inexistência absoluta!
Ada Moema é escritora, desenhista, colagista e estudante de Medicina Veterinária. Se descreve como uma diminuta criatura eucarionte em contínua dissolução para ser genitora de inenarráveis outros encapsulados orgânicos. Há 24 anos em visceral ecdise e embebida em ínfimo intervalo palpável, escreve de forma latente em sua sinestésica chance de expressão e extravasamento ao meio externo.
@adamoema1