Antes de tudo, saiba
meu corpo é meu
eu sou minha
essa carne que parece frágil
tem debaixo uma armadura de nácar
tem a força dos mares
protegida por iemanjá
esse sangue que derramo todos os meses
tem tempestade
vendaval
tem trovoada de iansã
esse meu fogo que você sente
pode ser cálido
mas sabe queimar com a fúria dos 7 dragões
das bruxas que me acompanham
essa terra que você vê
úmida, fértil, relva verde
é terra sagrada
muito cuidado onde pisa!
esses ossos que parecem frágeis
tem por dentro o estopim dourado
por mais que quebrem
voltam a nascer
eu me regenero, me reconstituo
sou feita dos metais mais nobres
abençoados pela lua de ogum
essa minha alma descoberta
pura e inocente
tem a força do bambu
raiz adentro
agarrada no ventre da mãe terra
resiliência é meu sobrenome
por tudo isso
respeite a mulher que vê
não foi fácil me tornar quem sou
já me perdi nos meus desertos
antes de entrar, saiba
aqui dentro já está completo
não sou metade de ninguém
sou inteira.
Sou flor de outono
meu sol é cálido
meu fogo abranda
floresço madura
fechando um ciclo inteiro
abrindo outro bem fresco
em tempos de plantar
sou da estação de céu azul
do pôr do sol mais lindo do ano
porque é imenso e abraça
sou filha do outono
minhas águas são mornas
tem calma, aconchego
mas também tem fúria
para florescer é preciso coragem
para ser flor é preciso morrer quem fui antes
é preciso confiar no porvir
rasgar-se para renascer
sou revolução
vivo de amor profundo
amar é desobedecer a apatia da vida cinza
e dos corações fechados
amar é sobre colorir
e eu sou dessas flores transgressoras
quando tudo morre
eu broto.
não sou dessas pessoas
que só molha os pés na água
eu gosto de mergulhar por inteira
no profundo do mar
não sei ser rasa
mas também sei voar
entro no mar
agradeço
e leve me despeço
levo o mar comigo
no peito.
Se você chuva
me rega?
se eu sol
você me vê?
se você beija
e eu flor
beija-flor?
Que viver seja uma oração
que amar seja uma prece
que eu caminhe em beleza
passo firme
passo leve
que o pôr do sol me proteja
me abrace em cada entardecer
reverdecer
perfumado
que eu saiba ver os sinais
que indicam o caminho
sem distrações
sem ilusões
somente o essencial
que eu possa pausar
sempre que me perder
voltar para mim
me encontrar
que eu possa contemplar a vida
sempre que me esquecer
de saborear cada gota de orvalho
me banhar de estrelas
me despentear no vento
lembrar que a vida é feita
de momento em momento
como agora
que eu possa poesiar
contar para mim
e dizer para o vento
que amo dançar a vida
que eu possa seguir
voando e cantando
nessa pluma que escrevo.
Juliana Naccarato é escritora e arteira. Escreve desde a adolescência e a poesia tem sido sua medicina. Publica seus escritos num blog, em podcasts poéticos, no instagram (@sendoamadapoesia e @juh.naccarato) e ano que vem no seu primeiro livro. Nascida na Argentina e criada em São Paulo, hoje mora no interior, no meio do mato. É dançante, facilitadora de danças circulares sagradas, professora de yoga, cientista social e mestra em sociologia e relações internacionais.
@juh.naccarato @sendoamadapoesia